quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A CADEIA ALIMENTAR DO FUTEBOL

O que conhecemos por Cadeia Alimentar é a estrutura que rege a sobrevivência em nosso planeta. É a mesma coisa de quando falamos em “lei da selva”. Estamos igualmente tratando das regras naturais que determinam a forma de sobrevivência de todas as espécies do nosso planeta. A regra diz que o mais forte vence o mais fraco, dentro de toda a pirâmide que forma a Cadeia Alimentar. O que é importante ver é que o mais fraco, dentro de cada segmento da Cadeia, tem tanta importância quanto o mais forte, uma vez que a sua existência e sacrifício é que viabilizam a continuidade da vida.

No futebol, apesar de não nos darmos conta, acontece algo bem parecido. O que atrapalha é quando os dirigentes, principalmente daquelas instituições, ditas mais fracas, não se reconhecem na base da Cadeia Alimentar do Futebol e, assim, e tentam subverter a ordem natural das coisas.

O que diferencia o futebol do reino animal é que as posições entre os fracos e fortes podem se alternar, dependendo da competência dos que dirigem as instituições envolvidas. Imaginemos a hipótese de um Príncipe Árabe do Petróleo se encantar com o Auto Esporte Clube da Paraíba ou com o Potyguar do Rio Grande do Norte. Caso isso viesse a acontecer e esses clubes fossem inundados por dólares e euros, a ordem normal das coisas iria, certamente, se inverter.

Levando em conta que estamos falando de um sonho praticamente inatingível, resta reconhecer a posição de cada um na Cadeia Alimentar do Futebol: Nossos clubes do Nordeste, especialmente dos estados menores, estão na BASE da Cadeia. Inicialmente isso pode parecer totalmente negativo. Não é verdade. O fato ter consciência das suas potencialidades e carências é de fundamental importância para o correto planejamento de um clube de futebol. Pois é, até agora eu estava mesmo falando de planejamento.

Vamos em frente. Vocês sabem que nossos clubes dependem dos jogadores egressos do campeonato paulista, para formação dos seus plantéis, com vistas à disputa do campeonato nacional. Da mesma forma, os nossos clubes sofrem com a escassez de jogadores de melhor nível, quando o Campeonato Paulista está em andamento.

Parece difícil de solucionar, mas não é. Vamos traçar um paralelo com a Cadeia Alimentar: é sabido que os principais clubes da Europa e Ásia se lançam na busca dos jogadores da África e das Américas do Sul e Central, uma vez que conseguem fazê-lo sem dispender maiores somas de dinheiro, como teriam de fazer, quando o jogador já está na Europa. Da mesma forma, o clubes do centro sul do Brasil vem para cá para levar, bem baratinho, nossos jogadores.

E com relação a nós, tem jeito para isso? É claro que tem. Vamos fazer a mesma coisa que os que estão acima de nós, na Cadeia Alimentar. Se o jogador dos grandes centros é caro, devemos ir à busca daqueles que estejam escondidos em centros menos badalados, no que diz respeito a futebol. É como fazer valer a lei da selva, vamos buscar jogadores em centros que não podem concorrer conosco, em matéria financeira, de estrutura ou de tradição.

Temos, pelo menos, 8 estados (Tocantins, Roraima, Rondônia, Piauí, Maranhão, Amazonas, Amapá e Acre), de menor expressão no futebol que o nosso Estado, para ir garimpar lá jogadores para nossas equipes, isso sem falar nas diversas cidades do interior dos estados do Nordeste, de onde, de vez em quando, são pinçados jogadores para equipes do sul e sudeste Brasileiro, bem embaixo dos nossos narizes.

Parece coisa do outro mundo, mas não é. O orçamento para isso não é maior que o valor pago a certos jogadores que vêm por aqui e não fazem jus ao prato de refeição que comem. O difícil, reconheço, é ter um profissional de visão para realizar esse importante trabalho. Isso nada mais é que o retorno do olheiro, função que os nossos dirigentes substituíram pelo famigerado DVD.

Não poderia afirmar com segurança o orçamento mensal com cada um desses profissionais, mas me arrisco a dizer que o valor de despesas e salário não ultrapassaria a casa dos R$ 6.000,00, por mês/profissional. Se forem três profissionais esse valor seria de R$ 18.000,00. O que tenho certeza é de que o retorno, representado pela redução de folha mensal do plantel e pela possibilidade de ganhos na venda desses valores, será bem maior do que o que os nossos clubes vêm conseguindo com a metodologia atual de formação de plantel.

E tem mais: quem começar antes, vai colher os frutos mais cedo. O certo é que falamos de boa técnica administrativa, o que só se consegue com a profissionalização na gestão dos nossos clubes.

HERIBERTO GADÊ DE VASCONCELOS
21.10.2009

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

CARIDADE COM O DINHEIRO ALHEIO

Desde que me entendo de gente que, quando escuto falar de futebol, ouço aquela velha cantilena: “a evasão de renda é que acaba com o futebol”. O que espanta, ainda mais, é o fato de que são os dirigentes dos clubes e das federações que mais reclamam. Ora, ninguém é inocente. Não preciso citar aqui o porquê de isso tudo acontecer. É tão cristalino que dói.

Prefiro não tocar no assunto “evasão”. Existe outro problema que, esse sim, é trágico para os clubes de futebol: o “caronismo”. Essa tem sido a marca daqueles que comandam os órgãos que administram os estádios públicos e dos dirigentes das federações. Sei que não é idéia deles. Eles somente copiam aqueles que se utilizam espertamente desses artifícios.

Vejam o caso da gratuidade dos idosos. Vendo de longe alguns hão de pensar que se tratou de uma medida humanitária, bondosa e reconhecedora daqueles que criaram a lei e a aprovaram. É muita inocência dessas pobres pessoas. Ora, o que eles fizeram foi praticar a caridade com o dinheiro alheio. Quando, por exemplo, um idoso utiliza gratuitamente o ônibus, ele está contribuindo para elevar o preço da passagem e os demais usuários pagam a conta. Isso é lógico, mas pouca gente nota.

Não preciso nem me estender dizendo que se a aposentadoria daquele idoso fosse justa ele não precisaria dessa “esmola”. É o poder público fazendo com que os outros paguem pela sua incompetência. Seria engraçado ver um grande empresário idoso andando gratuitamente de ônibus.

Do mesmo modo ocorre em um jogo de futebol. Precisamos nos habituar a chamar de “espetáculo de futebol”, porque é exatamente o que uma partida de futebol profissional é: um espetáculo, onde artistas se apresentam para o entretenimento de um grupo de pessoas, que estão dispostas a pagar para vê-los ação.

Quando fico sabendo que estão discutindo a gratuidade, para alguns privilegiados, a ser praticada nos espetáculos de futebol, me pergunto se não seria melhor inverter a ordem das coisas e fazer com que aquele que não pode pagar o ingresso é que fosse beneficiário da gratuidade. Pelo menos, nesse caso, haveria uma justificativa plausível.

Para mim, somente os artistas que se apresentarão e os profissionais no real exercício dos seus trabalhos naquele espetáculo, é que teriam direito à gratuidade. Atletas veteranos ou não, dirigentes de outros clubes (alheios àquele espetáculo), autoridades de qualquer natureza (que não no exercício da sua atividade) e crianças (exceto as de colo) não deveriam ter direito à gratuidade.

Basta olhar em volta e perceber que esse negócio gratuidade é um completo absurdo. Quem for contrário, deveria abrir mão do seu salário ou qualquer renda e passar a trabalhar de graça, ou seja, praticando a gratuidade completa. Quem fizer isso, merecerá o meu respeito.

Falo isso pensando como seria engraçado ver um representante de cada grupamento que citei, no aeroporto, tentando convencer os funcionários de uma empresa aérea de que teria direito de viajar de graça. Ora, não me façam rir.

Por que fazem tão pouco caso do futebol?

HERIBERTO GADÊ DE VASCONCELOS

domingo, 18 de outubro de 2009

A GUERRA

Sinto-me suspensa no ar por duas mãos que me sustentam firme, mas carinhosamente. O espaço ao meu redor é sombrio. Homens vestidos de negro estão nas proximidades em um cubículo apertado e que recebe pouca iluminação e nenhuma ventilação. O ambiente é angustiante, denso e irradia muita tensão. Fico a me perguntar quem seriam essas pessoas que, com movimentos lentos, porém firmes, se portam como a aguardar que alguma coisa muito importante aconteça.


Eu ali estou perplexa e impotente, presa entre as mãos de um desses homens. Se em um momento sou acariciada, em outro sou apertada e jogada de uma mão para outra, em movimentos nervosos. Isso também me deixa nervosa e desconfortável.

Sinto-me totalmente dominada e sei que esse domínio se dá de forma bastante organizada. A pessoa que me tem entre suas mãos é a que parece comandar as demais. Estou indefesa. O que estaria acontecendo? Ou melhor, o que está para acontecer? O que será de mim?

Continuo nas mãos daquele comandante. Seu exército é diminuto, não passa de dois soldados, porém esses comandados seguem, sem pestanejar, as ordens que recebem.

Finalmente saímos daquele pequeno quarto. Caminhamos, agora, por um extenso corredor que, de tão sombrio, me assusta mais que aquele pequeno espaço que ocupávamos. Na verdade estamos atravessando um túnel. Não consigo definir a cor das paredes, pois estão sujas ou são muito mal pintadas, se é que foram pintadas um dia. O teto é perigosamente baixo, o que me passa uma sensação de opressão, e também recebeu o mesmo tratamento do pintor que cuidou das paredes. A pouca e espaçada iluminação contribui ainda mais para deixar o lugar triste. O meu medo só aumenta.

Os soldados que me levam, a cada passo que dão, ficam mais nervosos. Eu posso sentir o suor umedecer as mãos do comandante. O que estariam pensando? O que temiam? Seguem por aquele corredor lúgubre, em completo silêncio. Vez por outra, fitam uma tênue luz que se vislumbra bem no fim daquele funesto túnel.

Agora o inquietante silêncio começa a ser quebrado por sons ainda tímidos. O que teria acontecido? Escuto, ao longe, sons inteligíveis. Será música? Não sei. Não dá para identificar, mas percebo que existe alguma maleabilidade na constância daqueles sons. Se não é música, é algo que se complementa em ritmo lógico e cadenciado. Quieta, aguço meus ouvidos. Os sons me chegam com mais volume, à medida que sou levada na direção daquela luz, que fica cada vez mais forte.

Agora consigo identificar. Não é uma música, são várias e executadas juntamente com gritos desconexos. Meu medo só aumenta. Não entendo nada do que está acontecendo. Será que estou sendo levada ao patíbulo? O que teria feito para merecer tão triste fim? Será que aquelas pessoas comemoram minha execução? Continuo firmemente presa entre as mãos daquele impiedoso comandante, que caminha lentamente e a passos firmes na direção daqueles assustadores sons. Estou em pânico.

Preciso de respostas. Não agüento mais aquele suplício. Por que ninguém me acode? Vejo que algumas pessoas pelas quais passamos me olham com um ar de curiosidade e de apreensão, mas não sentem pena. Pelo contrário, às vezes, demonstram alegria. Recebo algumas tapinhas nas costas, enquanto vou sendo conduzida entre essas pessoas. Algumas crianças sorriem, gritam e pulam. Será que até aqueles inocentes se regozijam com o meu sofrimento? Que povo desalmado era aquele?

Posso notar que o corredor vai terminando e a luz está ficando mais forte. Aquela intensa luz me agride, pois meus olhos não estão ainda acostumados a tanta luminosidade. Só agora notei que o piso daquele corredor, diferentemente do teto e das paredes, é revestido com alguma coisa macia, apesar de ser preto e assustador. Algumas vezes sou jogada contra aquele piso, porém não sinto dor. Ao contrário, me sinto estranhamente confortável ao tocá-lo. Continuo, ainda, presa entre as fortes mãos do comandante.

O barulho, agora, é ensurdecedor. Estávamos no final do corredor e começamos a subir uma escada, que se estendia na direção daquela forte luz. O meu fim estava chegando, pensei. Apurei o ouvido. Era música aquilo que eu ouvia. Aliás, muitas músicas cantadas ao mesmo tempo. Por incrível que pareça, começava a me sentir aliviada e feliz. Será que nosso organismo nos embriaga com doses excessivas de alucinógenos para que não sintamos o sofrimento da morte? Só podia ser isso.

Chegamos ao topo da escada. Descortina diante dos meus olhos um grande espaço colorido. É um festival infindável de cores sem que eu consiga entender o nexo entre elas, talvez por ter cor para todos os gostos. O que vejo é bonito e contagiante, bem diferente daquele triste lugar do qual acabara de sair. O som dos gritos parece querer me enlouquecer. Se aquela multidão estava ali para presenciar minha execução, não o faziam com nenhum sentimento de ódio. Na verdade eu sentia uma áurea de contentamento e de prazer. Será que a minha morte provocava tanta alegria para aquele povo sádico? Voltei a sentir aquela sensação de perda. Na verdade, perda de mim mesma.

O céu está limpo e o sol brilha intensamente. Corre uma brisa agradável que me envolve e consola. Era um lindo dia para viver... e eu ia morrer. Aquilo não poderia estar acontecendo. Eu não lembrava ter feito nada para ser tirada do convívio dos meus. Aquilo era uma verdadeira injustiça.

Minha preocupação aumenta quando noto que o tom da música se modifica abruptamente. Enquanto o comandante me conduz para o descampado, acompanhado dos seus inseparáveis soldados, ouço gritos ameaçadores e que transmitem, desta vez, ódio. A quem ameaçam? A mim? O que teria acontecido para aquela multidão passar da alegria ao ódio com tanta rapidez? Estava atônita.

Parece que os soldados se assustaram com aqueles gritos ameaçadores, pois correu um para cada lado, deixando o comandante sozinho no meio do descampado. Eu, infelizmente, ainda continuava sob o domínio do comandante, presa entre as suas mãos.

Tão rápido como começou a gritar ferozmente, a turba voltou a entoar os cânticos anteriores, pulando de alegria. Essa alternância de comportamento me deixava mais nervosa e perdida.

Vejo que o descampado, agora, está cheio de pessoas. O meu comandante, bastante nervoso, me atirou, com força, no chão. Para minha surpresa, aquele solo era ainda mais macio que o piso do escuro corredor por onde passara. Estranhamente não sentia dores. Ao contrário. Eu estava gostando daquilo, como se houvesse em mim um sentimento masoquista. Não podia negar, estava mesmo uma delícia.

Havia uma multidão ao meu redor. Todos queriam me pegar. Eles me apalpavam indecentemente, comprimiam, beijavam, é isso mesmo: beijavam. Eu ali impotente me deixava luxuriosamente ser abusada. Eu continuava gostando. O que iria dizer aos meus pais? Engraçado, naquele momento, não lembrava muito bem deles.

O comandante não para de dar ordens. Parece até que seu exército aumentou. Devem ter chegado outros destacamentos. Vestem fardamentos diversos, mas o obedecem cegamente, da mesma forma que os outros dois soldados que o acompanharam até bem pouco tempo atrás. Falando nisso, onde será que aqueles covardes se meteram?

Depois de muita discussão em minha volta, um dos comandados me abraça com um carinho que eu ainda não havia sentido em toda a minha vida. Olha para mim com admiração e me faz deitar delicadamente naquele macio chão. Fico ali, inerte. Espero. O que iriam fazer comigo? Era chegada a minha hora? Não acreditava, pois ninguém machuca a quem trata com tanto carinho. Aquele soldado haveria de me proteger.

Não deu tempo nem de pensar. Subitamente outro soldado me bate com os pés levemente duas vezes e, para minha surpresa, me aplica um vigoroso chute na altura dos rins. Quero tossir e não me sinto estimulada. Estranho, mais uma vez não sinto dores, aquilo não me machuca, parece um carinho. – É... Devo estar no meu último estertor, deve ser a “visita da saúde”.

Sou jogada de um lado para o outro. Brigam por mim. Todos querem me maltratar. Parece até que a minha morte vale prêmio para aqueles soldados. Se as minhas roupas não estivessem tão justas, já teriam me rasgado toda. De repente acontece uma gritaria infernal. Há um soldado inerte, no chão. – Ei! Eu não fiz nada. Não fui eu que o atingi, gritava eu sem parar. A confusão estava formada e ninguém me dava ouvidos. Iniciou-se uma pequena briga entre os soldados. Meu comandante – parece até que eu estava gostando dele – ali no meio do tumulto gesticula, grita e empurra. Ninguém atende. Onde estaria seu poder de comando?

Minutos nervosos se passam e, para minha surpresa, aqueles que queriam me destruir estão ali discutindo e esqueceram-se de mim. Surpreendo-me detestando aquela situação. Passado tanto tempo sendo alvo da atenção dos meus algozes, estava ali desprezada e eu não gostava nem um pouco daquilo. Queria voltar a ser o centro das atenções, mesmo que aquilo significasse a antecipação do meu fim. Os gritos não param, a música fica mais forte e eu noto que nem todos estão a gritar. Uma parte daquela horda está inexplicavelmente em silêncio. Será que teria alguma chance com aquela momentânea discórdia? Eu não estava entendendo nada.

Para meu desespero, com alguns minutos os ânimos serenam. Um soldado, que me parece bastante apreensivo, como se carregasse grande carga de responsabilidade nos ombros, se aproxima de mim, me levanta do chão, me apalpa, me beija e, com inexplicável cuidado, me coloca suavemente de volta ao chão. Fecho os olhos. – É agora, pensei. Eu tremia vigorosamente.

O meu carrasco me deixa e se afasta vagarosamente a passos curtos e sem tirar os olhos de mim. Certamente para que eu não fugisse do meu triste destino. Eu também não tiro os olhos dele. Não há ninguém nas proximidades. Os soldados, à distância, estão olhando para mim, mas por algum motivo que desconheço não se aproximam. Parecem estátuas.

Após um longo e estridente som “trinado”, o meu executor, como que tocado por algo supremo, saiu da momentânea inércia e iniciou uma desembestada corrida em minha direção. Vinha bufando. – Está se mordendo de raiva de mim, murmurei baixinho, vai acabar com a minha triste e curta vida. Fechei os olhos e entreguei a Deus o meu destino.

Assim que chegou, me deu tamanho chutão na boca do estômago que achei que ia botar todas as vísceras para fora. Quase virei completamente ao avesso. Fui arremessada com uma força estonteante, mas não pude precisar a direção, pois viajava de costas, em altíssima velocidade e continuava de olhos fechados.

Ainda senti algo me tocar, pareciam mãos, mas estavam diferentes daquelas que me haviam acariciado, estavam mais grossas e estranhamente pareciam revestidas em plumas. Logo em seguida me vi enlaçada em uma espécie de malha que reduziu a velocidade do meu corpo, me envolveu com doçura e amorteceu a minha queda.

Ouvi um som estrondoso, muito maior do que tudo que já havia ouvido até ali. Alguns soldados passaram a correr loucamente, em todas as direções. Gritavam e pulavam como crianças. Surpreendentemente, constatei que, em contrapartida àquela algazarra, outros soldados estavam tristes e cabisbaixos. Tudo aquilo era uma incógnita para mim. O que danado estaria provocando aquela dicotomia?

Acho que nunca vou descobrir. O que verdadeiramente sei é que ao cair no chão envolvido naquela gostosa malha branca, ouvi, ao longe, vindo da multidão enlouquecida, um grito uníssono que parecia dizer algo como Tôôôôoo, ou Vôôooo, ou, ainda: Gôooool. Ah! Acho que era isso mesmo: Gôôooooooooooooooooooooooooool.

Logo depois me levaram de volta para o meio dos soldados para ser carinhosamente chutada, amassada e arremessada de um lado para outro. Até hoje não compreendi direito o que significou tudo aquilo, nem muito menos o porquê de eu haver me amarrado tanto nesse negócio. Acho que são coisas dos Deuses do futebol...

HERIBERTO GADÊ DE VASCONCELOS

sábado, 17 de outubro de 2009

UM DIA DE CAIXA

São 09h55min Estou me preparando para o início do espetáculo. Ali, junto com outros 6 colegas, fazemos parte do grande show diário no atendimento aos clientes da Caixa Econômica Federal, na agência Alecrim, em Natal (RN).

Digo espetáculo, pois me sinto como uma componente de uma grande companhia que todos os dias precisa ofertar seu sorriso, conhecimento, apoio e, principalmente, paciência no atendimento dos clientes da CEF, no seu segmento mais humilde. É show em razão de estarmos convivendo com uma parcela significativa do nosso povo. Um povo simples, mas honesto e orgulhoso da sua condição de brasileiro. É a essência do exercício da cidadania.

Pontualmente, às 10h00min, abrem-se as portas da agência e as pessoas, quase aos borbotões, começam a ocupar todos os espaços do saguão da agência. Agitadamente, como se aquele fosse o último minuto das suas vidas, retiram as suas senhas, que servirão para dar a ordem de chamada para o atendimento. Estou pronta e a postos, juntamente com toda a equipe. Esperamos... esperamos...

Finalmente, quando todos estão sentados, faço meu primeiro chamado no painel luminoso. Senha nº 01 e ouve-se o toque eletrônico característico. Vem ao encontro da minha mesa uma senhora que já passa facilmente dos 70 anos. É vigorosa e me transmite a sensação de que teve uma vida de muito trabalho e sofrimento. Assim mesmo, caminha em minha direção com um largo sorriso. Senta-se à minha frente e com a mão trêmula entrega-me o papel onde está registrado o nº 01.
          - Olha moça, apressa-se a dizer a adorável senhora, eu sou pessimista e quero saber como é que eu recebo meu dinheiro que aposentaram pra mim.
          - Como é que é? Perguntei de pronto. E a senhora, agora com um semblante preocupado, repetiu com firmeza.
          - Eu sou pessimista, num sabe? A senhora num sabe o que é não? É que meu “veio” já foi desta pra melhor e eu fiquei aqui recebendo como pessimista. Será que já dispusitaram meu dinheiro? Perguntou a senhora e, espichando o olhar pra saber se estava realmente sendo entendida, completou – É muita dificulidade!

Eu pensei, É hoje! E disse: - Ah bom! A senhora é pensionista do INSS e quer saber se já depositaram o seu dinheiro, não é? A senhora assentiu, mas eu achei que ela estava desconfiada com a minha dificuldade em entendê-la. Mesmo assim verifiquei a sua situação e localizei seu pagamento e concluí o atendimento. Ela sorridente, se despediu e agradeceu. Eu suspirei – comecei bem!

* * *

Volto a acionar o controle e outra vez se houve o som eletrônico chamando nova senha. Aproxima-se um homem franzino de aparência simples.
          - Bom dia. Antes que eu respondesse ao cumprimento ele completa – Tô querendo fazer um impresti mas me disseram que eu não tinha mágica e além disso o meu cartão tá bronqueado. O que eu faço?

E eu haveria de saber? Pensei surpresa. Ajeitei-me na cadeira e, com muita paciência fui verificando cada problema por ele reclamado até que pudesse viabilizar o impresti ou o empréstimo, como queiram. Feito isso, passei a colher os dados para a elaboração do contrato, verificando a margem consignável e desbloqueando seu cartão.

Quando terminei, impresso o contrato, apresentei-lhe e indiquei o local onde deveria ser aposta a assinatura. O senhor olhou para mim, ergueu levemente a mão, e colocando o polegar na posição conhecida de “positivo” me disse confiante:
          - Eu faço é no polegal. E assim ficou por uns parcos segundos com um sorriso maroto nos lábios, enquanto eu me refazia da surpresa e processava a nova informação que queria ser dita.
          - Ahhh bom! Então o senhor não sabe ler nem escrever. Ponderei a exigência legal da assinatura a rogo e... lá se foi uma boa carimbada de dedo e outro cliente satisfeito. Tudo feito e resolvido passei para o próximo.

* * *

O outro cliente não estava só. Acompanhava-o a sua namorada. Tudo levava a crer que ali pulsava uma linda história de amor. O casalzinho não parava de trocar olhares e sorrisos, numa abestalhação que só os enamorados conseguem expressar. Fiquei ali curtindo a alegria e o amor que fluía daqueles dois jovens. Pelo jeito, já tinha data de noivado e casamento marcados. A vida em comum já começara.
          - A senhora é a aberturadeira? Perguntou o rapaz, tão logo sentou à mesa.
          - Se o senhor está querendo abrir uma conta, eu sou a pessoa certa, se não, acho bom procurar uma maternidade, respondi brincando. Sem procurar entender o que eu dizia ele retrucou.
          - É isso mermo. Nós queremos o abrimento de uma conta conjugal.
          - O senhor não acha que está no lugar errado? O Cartório fica no outro quarteirão, brinquei mais uma vez.
          - A senhora é difícil de entender as coisas, replicou o jovem noivo, começando a ficar irritado.
          - Tá bom, já entendi. O senhor quer abrir uma conta-corrente conjunta.
          - É isso mesmo. É tão fácil. Como vocês complicam as coisas simples, completou o rapaz de forma altiva.
          - Me dê seus documentos pessoais e os comprovantes de renda e de residência, disse-lhes eu, já começando a acessar o sistema para atender aos jovens nubentes.

Eles olharam para mim e espantados disseram:
          - Já entregamos toda a papelâmica lá no guincha.

Aturdida me perguntei o que diabo seria aquilo que meus pretensos clientes queriam dizer? Deixa pra lá. Nestes casos o melhor é usar de estratégia para descobrir. Foi o que fiz.
          - Por gentileza, o senhor poderia ir buscar isso aí que o senhor disse e trazer para mim?

Visivelmente chateado com a incompreensão o rapaz levantou-se, foi até o guichê do caixa e pegou uma pasta com documentos e, ao me entregar resmugou:
          - É muita democracia pra resolver as coisas aqui.

Pensei: ahh! então isso é que é a papelâmica. Peguei a documentação e processei a abertura da conta-corrente solicitada, para evitar maiores reclamações sobre a tal burocracia.

* * *

Já no final da tarde, perto do fechamento do expediente externo, certa de que não teria mais surpresas naquele dia, aciono o painel para atendimento de mais um cliente. Era outra senhora que chegava apressada e nervosa.
          - Eu acho um absurdo o que fazem com o povo nessa Caixa, resmunga. Eu queria receber meu piso e ninguém conseguiu descobrir onde ele estava. Se não fosse uma pensão alimentíssima que minha enteada recebe, nós tava passando por necessidade lá em casa. Ainda bem que sou a procuradeira dela e recebi o dinheiro hoje, senão...

Mais uma vez fui verificar e, infelizmente, a cliente não fazia jus ao abono do PIS, como queria. Pelo menos a pensão alimentícia ia segurar a barra até o próximo mês. Informei sobre tudo e, quando já ia saindo, a cliente, que trazia uma criança no colo, pediu.
          - A senhora pode ver o número da minha conta? O número completo, com o disco e tudo. Habituada ao vocabulário, forneci o número e dígito da conta à nervosa cliente.

* * *

Pronto, só falta um cliente. Chamei no painel. Este se apresenta de maneira estranhamente agitada. Quer ser logo atendido e me estende a mão com um papel bem dobrado e um pouco amarrotado, como se tivesse sido guardado com muita força para não ser extraviado. Para ele, era uma verdadeira preciosidade.
          - Tá aqui dona. Foi o homem do INSS que mandou e disse que era pra me atender urgente. Disse isso e ficou de pé na minha frente, a exigir que o atendimento se desse imediatamente. A forma autoritária era hilária. Abri com cuidado o bilhete e ali estava escrito: “o portador desta é doido”. Quase sem conseguir sustentar o riso, dobrei o bilhete cuidadosamente e o devolvi e dizendo.
          - Pode procurar o rapaz do INSS e dizer-lhe que já resolvi seu problema aqui na Caixa. Agora o negócio é lá no INSS. E lá se foi o senhor todo feliz em busca da solução de um problema que talvez nem exista.

Assim é o dia-a-dia de cada um dos que trabalham no atendimento de pessoas simples como os que são clientes da Caixa Econômica Federal. Nós que os atendemos e eles que desempenham suas funções na vida do nosso Brasil, estamos, cada um com sua história, construindo um País que, se ainda não é o que queremos, certamente é o melhor que conhecemos.

DEISE CÂMARA P. DE VASCONCELOS

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

PROFECIAS X PROJEÇÕES


A futurologia tem sido uma atividade que vem sendo praticada há muitos anos. Para alguns, é uma das mais antigas atividades profissionais de que se tem notícia. Quem não ouviu falar das profecias de Nostradamus? Quantas deram certo? Quais os mecanismos ou informações que embasavam essas previsões?

Essas são perguntas difíceis de responder. Por outro lado, fica uma outra questão: Por que se dá tanto valor aos “profetas”? A resposta que nos vem em primeiro lugar é a de que o homem tem a necessidade premente de conhecer o seu futuro, para que possa enfrentá-lo de forma adequada para cada situação, evitando os caminhos que o levem a conviver com problemas e a repetição dos erros do passado.

No mundo dos negócios se dá o mesmo fenômeno. Os empresários precisam, diante de um mundo agressivamente capitalista, prever acontecimentos antes do seu concorrente o faça, para que consiga tomar decisões acertadas que, no mínimo, evitem o insucesso da sua empresa. Em muitos casos a indecisão ou a decisão incorreta podem ser a diferença entre o lucro e a falência.

Nesse mundo, os “profetas” são profissionais do mercado, normalmente economistas que, a partir de tendências que julgam perceber, estão sempre realizando previsões que, na maioria das vezes não se confirmam. Essa tem sido a máxima neste século. Várias foram as previsões que não se confirmaram e, mesmo assim, continuamos a buscar, a dar valor e a pagar por esse tipo de previsão.

Um dos motivos para tanto insucesso é a necessidade que temos de conhecer como o fato ocorrerá, nos seus mínimos detalhes, daqui a dez, quinze ou vinte anos. Nem com várias toneladas de informações nós conseguiremos traçar, matematicamente, como o futuro acontecerá. Se assim agirmos, estaremos sendo levianos. Essencialmente, a previsão depende do resultado do comportamento humano que, sabemos, obedece a estímulos diversos e imprevisíveis que se interponham durante todo o tempo. Desconhecer esse aspecto é estar fadado ao erro.

Se assim não acontecesse, vários eventos históricos não teriam ocorrido. Os dominadores nunca deixariam que os dominados lhes tomassem o poder e vice-versa, o Muro de Berlim nunca teria caído ou, convenhamos, nunca teria sido construído.

Outro fator importante para tantos desencontros é a qualidade da nossa informação. Não se pode iniciar um trabalho de projeção com números imprecisos ou com dados estatísticos falhos e incompletos. No Brasil essa situação tem sido um dos motivadores das falhas nas previsões. Para se ter uma idéia, o resultado do PIB deste ano já foi revisto quase uma dezena de vezes, e nós estamos falando do lapso de 12 meses. Qualquer ação que levasse em conta a projeção inicial, estaria fadada ao erro.

Isso tudo nos leva a crer que a informação como um todo é necessária para a construção de um cenário e dentro dele efetuar alguns exercícios de projeção. A simples utilização de números e equações não garante o sucesso da previsão, uma vez que a constante mutação do mundo está a exigir a correção de rumos dentro dos cenários que são elaborados.

Exemplo disso foram as previsões sobre a rápida exaustão das reservas minerais do planeta, especialmente as ligadas ao combustível. Neste caso o cenário estava correto e era lógico que recursos não renováveis viessem a terminar um dia. A falha estava em não prever que novas jazidas seriam encontradas, as máquinas consumiriam cada vez menos, novas formas de energia seriam desenvolvidas, fatos que derrubaram a previsão de não termos petróleo na década de 90.

Então, a que tudo isso nos remete? É claro que não se pode prescindir da projeção, uma vez que ela que nos antecipa o futuro para que possamos ou nos preparar para ele. O importante é que essa previsão seja feita a partir de informações bem montadas, selecionadas e prestadas com toda a agilidade que a conturbação e a velocidade dos acontecimentos do mundo moderno estão a exigir e sempre com a consciência do elevado risco do erro.

Outro ponto de destaque é a correção da previsão. Projetar por si só em um momento estático, mesmo utilizando informação que foram, em um determinado momento, bem montadas, não garante que a empresa estará bem informada sobre as tendências de futuro. O que vale mesmo é a constância da informação, passada de forma correta e em tempo hábil. A informação tem de ser dinâmica como é dinâmico o comportamento humano, pois é principalmente esse comportamento que interfere nas mudanças do mundo.

Resumindo, tão ou mais importante que montar cenários de futuro, é ter capacidade para detectar as mudanças de cenário e agilidade suficiente para corrigir rumos e realinhando, constantemente, o timão da empresa, na direção do objetivo traçado. Cabe a sugestão: ao entrar no túnel do tempo, em direção ao futuro, não esqueça o passado, mas, principalmente, não tire os olhos do presente.

Heriberto Gadê de Vasconcelos
14.10.2009

terça-feira, 13 de outubro de 2009

É LÓGICO QUE O FUTEBOL TEM LÓGICA

Em oportunidades outras tenho comentado sobre o planejamento no futebol e a forma amadora como nossos dirigentes conduzem os clubes. Prendo-me nesse assunto por considerar o futebol uma atividade meramente empresarial como outra qualquer, não obstante o forte componente emocional que envolve o futebol em si. De outra parte, tudo gira mesmo em torno do dinheiro.


Desta vez volto a tratar do assunto de uma ótica diferente, ou seja, apresentando um cenário que teria ou terá de ser avaliado pelos executivos de clubes de futebol, com mais profundidade, pelo menos aqueles dos estados do Nordeste brasileiro e especialmente os de situação econômica mais desfavorecida.


Vejam os senhores a situação da tabela do campeonato brasileiro, tanto da Série A quanto da Série B. Se verificarmos a posição atual desses campeonatos poderemos constatar que os clubes do Nordeste estão muito bem representados nas respectivas zonas de rebaixamento.


Na Série A, dos quatro clubes na terrível zona dois são nordestinos de Pernambuco (Sport e Náutico). Somente o Vitória da Bahia está escapando. Já na Série B, dos oito últimos, 5 são do Nordeste, e desses, 3 estão na zona de rebaixamento. Somente um, o Ceará, de Fortaleza/CE, está escapando na honrosa quarta colocação, posição em que, pelo histórico, tenho certeza, não conseguirá se manter por muito tempo.


Vocês poderiam perguntar: E aí? O que você quer dizer com isso? Eu respondo: O futebol tem uma íntima ligação com a capacidade econômica da região, como, repito, qualquer outra atividade econômica. É isso que os executivos do futebol precisam ter em mente. Claro que não é só isso, mas o poderio econômico contribui para a formação e desempenho das equipes de futebol. O sucesso de uma atividade econômica está na capacidade e na política de investimento nesse setor.


Dito assim parece que estou dizendo o óbvio. Porém as pessoas são levadas a pensar que “David” sempre vence “Golias” e que os clubes do Nordeste têm a capacidade de integrar o grupo de elite do futebol brasileiro e, pasmem, vencer a competição. Esse é um posicionamento meramente emocional e totalmente desprovido de uma análise, nem que seja preliminar, do que tem acontecido no futebol brasileiro e mundial.


Outras pessoas poderiam indagar que o futebol brasileiro sempre se destacou frente aos países de poderio econômico superior. É verdade. No entanto, a partir do momento em que esses países resolveram investir no futebol, o futebol brasileiro deixou de ser o melhor do mundo. Hoje o melhor futebol do mundo é praticado na Inglaterra, na Espanha, na Itália e até na Turquia. Nós, aqui, nos limitamos a ter uma das melhores seleções de futebol do mundo. Só isso.


Vou apresentar para vocês alguns levantamentos preliminares que fiz, acerca dos resultados finais dos campeonatos brasileiros das Séries A e B, a partir do ano de 2001, ano em que deixaram de acontecer aquelas famigeradas “viradas de mesa”. O resultado vai ao encontro do que digo. Notem que, na Série A, estão somente três clubes do Nordeste, um da Bahia e dois de Pernambuco, Estados que respondem sozinhos por 49% do PIB nordestino. Mais uma coincidência.


Nesses nove anos de Série A, as regiões sul e sudeste do país sempre tiveram, em média, algo em torno de 81% dos clubes que participaram dessas edições. Por coincidência, os PIB dessas regiões, somados, correspondem a 73% do PIB brasileiro. Será que é só coincidência? Vamos a um segundo dado: A região Nordeste participa com 13% do PIB nacional e tem tido, em média, nesses nove anos, 11% dos clubes participantes da Série (atualmente está com 15% de participação). Vejam a tabela abaixo:


REGIÕES              Part. % PIB   Clubes na “A” *    Part. % na “A”*
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SUL SUDESTE         73%                    18                            81%
NORDESTE              13%                     2                            11%
C. OESTE                  9%                      1                              6%
NORTE                     5%                       0                             2%
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Média de participação no período de 2001 a 2009
Fontes: Wikipédia e www.bolanaarea.com


Como podem ver, há certa sintonia entre potencial econômico e o número de clubes de futebol na Série A.


Na Série B, precisamos fazer uma avaliação mais cuidadosa. Se observarmos os números de clubes das Séries A, B e C vamos constatar que existe uma gradual redução do número de clubes do sul e sudeste e uma elevação no número de clubes das demais regiões, como demonstrado a seguir:


REGIÕES      Clubes na   Clubes na   Clubes na   Evolução   Evolução
                        Série A(*)    Série B(*)    Série C(*)   A>B           A>C
-----------------------------------------------------------------------------------------
Sul/Sudeste      16                 11                 8                -5               -8
Nordeste             3                  6                  6               +3              +3
C.Oeste               1                  3                  3               +2               +2
Norte                  0                   0                  3               +0               +3
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(*) – Posição atual
Fonte: www.bolanaarea.com


O que acontece aí? Esse quadro pode ser explicado. Na medida em que os principais clubes das regiões sul e sudeste se envolvem nas Séries, em especial a Série A, restam, para ocupar as demais posições, as agremiações de segunda e terceira linhas, cuja condição passa a se assemelhar aos clubes das demais regiões. Com isso, a concorrência fica mais igual e são criadas condições de acesso aos clubes do Nordeste, especialmente.


Em razão disso, não encontraremos, na Série B, uma situação tão clara como se vê na Série A, bem como na Série C, que tem uma metodologia de competição regionalizada. No entanto, os números não se afastam tanto da realidade de vinculação econômica. Com exceção do Nordeste, que tem uma participação percentual acima do imaginado, as demais regiões guardam certa compatibilidade com o potencial econômico.


Mesmo assim, vê-se que, se confirmada a tendência de rebaixamento das rodadas deste primeiro turno, seriam menos três clubes nordestinos na Série B do próximo ano, não considerada a possibilidade de acesso da Série C que, na melhor das hipóteses, poderá promover o acesso de no máximo dois clubes do Nordeste (Icasa-CE e/ou Asa-AL).


REGIÕES              Part. % PIB   Clubes na “B”(*)   Part. % na “B”(*)
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SUL SUDESTE           73%                  11                             55%
NORDESTE                 13%                   6                             21%
CENTRO OESTE          9%                   3                             11%
NORTE                          5%                   0                               0%
----------------------------------------------------------------------------------------
(*) – Posição atual
Fontes: Wikipédia e www.bolanaarea.com


Finalmente, o que poderemos concluir com tudo isso? Ora, se os executivos do nosso futebol planejassem, teriam trabalhado mais aprofundadamente os dados existentes no nosso futebol, montando um planejamento adequado. Sem isso eles ficam navegando às cegas e vão dando passos maiores que as pernas, na ilusão das suas próprias ilusões egoístas, contratando jogadores com salários incompatíveis com suas realidades, trazendo, cedo ou tarde, a completa desestruturação econômica e financeira dos clubes que representam.


Se nos prendermos no futebol do Nordeste, veremos dirigentes com enormes dificuldades para fechar seus caixas, gerando dívida sobre dívida, em razão de continuarem assumindo compromissos acima da capacidade de seus clubes gerarem retorno, muitas vezes para alimentar suas próprias vaidades e sem nenhum critério empresarial. Ainda tem aqueles que ficam exigindo a participação de patrocinadores, como se patrocinar fosse uma obrigação e não um negócio.


Minha avó, no alto da sua doce sabedoria diria: “meu filho, baixe a bola” ou “devagar com o andor, que o santo é de barro”. Tenho dito. Aliás, quem disse foi vovó.




HERIBERTO GADÊ DE VASCONCELOS
Natal (RN), 17.08.2009

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

OS GRILHÕES DA DEMOCRACIA

Finalmente, depois de muita luta que envolveu a ação voluntária de várias pessoas, com o apoio da CNBB, foram entregues à Câmara Federal as assinaturas que irão possibilitar o início da tramitação do projeto que impede a candidatura de pessoas que estejam processadas pela Justiça.

O Presidente da Câmara Federal, Deputado Michel Temer, já deu o tom da resistência que esse tipo de projeto vai enfrentar no meio dos deputados. Ele afirmou que concordava com a medida, mas que a condenação não poderia ser de primeira instância. Fiquei pensando com os meus botões: Será que os magistrados de primeira instância são irresponsáveis ou incompetentes e somente a segunda instância tem discernimento para tanto? Foi isso que eu entendi.

A dificuldade fica patente quando verificamos que foi preciso um esforço popular para que o projeto pudesse ser iniciado. Nenhum dos 513 deputados teve o interesse em apresentá-lo. Esse é um assunto explosivo. São vários os parlamentares e políticos que estão sendo processados. No Congresso já são 152 parlamentares nessa condição. O corporativismo, que visa atender aos interesses pessoais em detrimento do interesse público, terá que ser enfrentado com muita força pelo povo brasileiro.

Podem esperar que irão surgir os discursos enganosos sobre a liberdade e a democracia; que o povo deve fazer essa escolha na hora de votar, que o Brasil vive uma democracia; e que um homem não pode ser penalizado antes de que seja provada a sua culpabilidade. Tudo isso não passa de falácia, por três simples fatores:

a) a democracia tem facetas que a própria definição da palavra não contempla. A liberdade e a possibilidade de votar em quem quiser deveria ser o padrão da vivência democrática. Ocorre que, nos países ditos emergentes, onde a situação social é fundamentalmente sofrível, a corrupção é forte e a ditadura do orçamento público se impõe, a tão propalada liberdade é produto de ficção;

b) poder-se-ia pensar que a liberdade consiste no direito de ir e vir e ao livre pensamento. Poderia. Se não estivéssemos falando de um país com alto índice de analfabetismo e de grande pobreza e de absoluta dependência da esmola do poder público ou de quem o representa;

c) é sabido que 32% do povo brasileiro sobrevivem com até R$ 200,00 por mês e que 14 milhões de brasileiros, na idade acima de 15 anos são analfabetos e que 95%, dos trabalhadores recebem, no máximo, dois salários mínimos (segundo o Dieese). Frente a uma realidade como essa, não é de se esperar que o voto seja realmente livre.

Então, considerando que esses políticos irão recorrer ao apoio inocente e involuntário de parte significativa do povo brasileiro, cujas vidas estão fortemente presas aos efeitos das suas próprias origens, caberá  à  parcela restante da população brasileira, que é realmente livre para pensar e para votar,  não renovar o mandato de nenhum político, seguindo um movimento nacional que começa a pegar força. Essa, na minha opinião, é a única forma de agir, nesse momento.

HERIBERTO GADÊ DE VASCONCELOS
05.10.2009

ANTES EMPATAR QUE VENCER



O que eu disse, de forma isolada e considerando que vivemos em uma sociedade que transformou a convivência humana em uma verdadeira competição de “vida e morte”, reconheço, é para causar espanto.

Estou ciente de que a competição é elemento básico e natural entre os seres vivos. Todos eles competem para ocupar seus espaços e garantir a sobrevivência. Nós, humanos e pseudo-racionais, deveríamos utilizar esse tal de raciocínio para nos diferenciarmos dos ditos irracionais, mas não estamos fazendo assim. Ao contrário, todo dia é dia de luta, de competição. E fico a me perguntar se essa é a única forma de viver.

Neste momento da minha vida, não acho que a competição entre os seres humanos deva ser tão necessária quanto é na vida irracional/vegetal. A minha frase sobre o empate, na verdade, reflete a essência e a configuração do que tenho pensado ultimamente.

Para que eu possa me fazer entender, preciso reconhecer que todos nós, especialmente as últimas gerações, somos frutos de uma louca “corrida ao dinheiro”. É a transformação do dispensável em artigo de primeira necessidade. As últimas gerações foram formatadas para competir, derrubar seu semelhante a qualquer preço, e acumular cada vez mais, de preferência, retirando o máximo dos seus semelhantes. Em suma, seguir o velho ditado de que “a medida do ter não enche nunca”. É diante disso que aceito o espanto dos meus amigos.

Não quero subverter a formação cultural/social de ninguém, porém gostaria de fazê-los enveredar por um outro vértice do raciocínio. Pensemos em tudo como se fossemos uma equipe de futebol. Enquanto equipe, pretendemos vencer os nossos adversários. Neste caso, queremos que todos os componentes da equipe se saiam igualmente bem. Se isso ocorre, todos empatam entre si. Concordam? Neste caso, o empate é o melhor que pode acontecer.

Quando, em uma equipe, alguém busca notabilizar-se mais que os outros companheiros, existirão vencedores e vencidos. O que ocorrerá é que essa equipe estará fadada ao insucesso, apesar de alguns se acharem, momentaneamente, vencedores. Já, neste caso, a vitória de uns não será melhor que o empate entre eles mesmos.

Numa equipe, o equilíbrio é fator fundamental para seu sucesso. Ninguém pode ser melhor que ninguém, dentro de uma equipe. Todos têm a sua importância e, por isso, equiparam-se entre si, para que se alcance o objetivo do grupo, ou seja, deve existir uma situação de “empate”.

Infelizmente, no ambiente do nosso trabalho, também acontece essa mesma guerra intra-equipes que é, muitas vezes, alimentada por consultores renomados, travestidos de senhores da verdade, e por chefes despreparados. Todos eles fazem apologia à vitória pessoal e individual nem que, para isso, sejam sobrepujados e destruídos aqueles “fracos e despreparados” que estão em seu caminho, independentemente de esses “fracos” estarem dentro da sua própria equipe. A lei passa a ser a de que “os fins justificarão os meios”.

A competição entre os seres humanos os desumaniza, já que destrói a cooperação e a solidariedade, instrumentos fundamentais (estes sim) para uma cordial e humana convivência. Por isso que, ultimamente, tenho preferido empatar.

HERIBERTO GADÊ DE VASCONCELOS

domingo, 4 de outubro de 2009

O SEGREDO É RELAXAR E GOZAR

É muito comum ver o desespero de torcedores de clubes que estão enterrados na zona de rebaixamento, no Campeonato Brasileiro. Apesar de compreensível, recomendo que os torcedores envolvidos não devam ficar tão desesperados ou desesperançados assim.

Não existe guerra sem derrotas. Toda vitória tem em sua história vários recuos. Meu time já esteve rebaixado e, mesmo assim, me deu muitas alegrias enquanto estava nessa situação. Este ano ele novamente está fazendo um esforço enorme para cair, juntamente com outros 4 nordestinos. Nem isso me desespera.

Nunca chorei a queda do meu time. Ao contrário, isso me motivou a não perder um só jogo, já que é lá que me divirto. Não admito que nada, absolutamente nada, venha a comprometer a minha alegria de ver meu time jogar e acompanhar as notícias sobre seu desempenho, seja ele bom ou mau, como acontece agora.

O segredo não é o excesso de conformismo, longe disso. Hoje o futebol é para mim o que deveria ser para todo mundo: uma diversão. Vou aos estádios para ver o jogo, encontrar com amigos, tomar uma cervejinha, bater papo, além de ter o prazer de gozar os amigos/torcedores adversários, quando posso. O futebol precisa ser um evento de diversão e não de sofrimento ou de violência. Vejo o futebol como uma ida ao cinema. O ritual que envolve o cinema (a pipoca, o refrigerante, o lanche e a companhia) é muito mais importante e prazeroso que o próprio filme.

Vejam os casos do Corinthians, Palmeiras, Grêmio, Atlético, Botafogo e outros, que conseguiram dar muito mais alegrias às suas torcidas na Série B que quando estavam na Série A. Vi o jogo de aniversário de 100 anos do Vasco. Aquele espetáculo foi fantástico. O Maracanã estava lotadinho, como há muito não se via. A torcida, mesmo sem entender, estava alegre e nem lembrou que estava disputando uma Série a qual, no início do ano, abominava.

Então, torcedores sofredores do País, acalmem seus corações, pois há vida, alegria e festa nas Séries A, B, C, D, E, F... Basta que vocês queiram. A esperança na vitória e no novo acesso é que move a torcida. A regra é saber que no ano que vem, tem mais.

HERIBERTO GADÊ DE VASCONCELOS

O PROFISSIONALISMO NO FUTEBOL

Lendo o Blog de Marcos Lopes (Logo logo vai faltar bombeiro) e a coluna de Everaldo Lopes (Como Profissionalizar?- Jornal Tribuna do Norte), ambos de 29.07.2009, o que faço diariamente, fruto de bom hábito que adquiri ao longo do tempo, notei que o termo: “profissionalização do futebol” ainda não foi bem digerido e, por isso, gera alguns desencontros.

A coluna tratava exatamente disso: os clubes de futebol de Natal-RN (ABC e América) já são profissionais ou não? Diante disso, decidi apresentar a minha opinião, fruto do trabalho desenvolvido durante alguns anos, das obras que li e do aprendizado que construí durante treinamentos e cursos dos quais participei.

Então vejamos. Para denominar o que é uma atividade desenvolvida com profissionalismo não podemos nos prender, especificamente, ao que significa a palavra “profissional” e suas derivações. Não. Deve-se tomar cuidado para não simplificar demais o termo, de sorte a evitar que o significado da idéia fique, também, simplório e não traduza o que realmente quer se dizer com aquilo.

Se formos nos guiar pela semântica ou pelo real significado da palavra, chegaremos à conclusão de que os nossos principais clubes de futebol do Estado já atuam de forma profissional há bastante tempo, uma vez que os jogadores são assalariados, os técnicos são assalariados, os supervisores também e assim por diante. Porém, a idéia que se quer passar quando se diz que uma instituição atua de forma profissional e não amadoristicamente, é outra bem diferente.

O fato de ter em seus quadros empregados ou, como queiram, profissionais pagos para desempenharem a sua função não faz com que a gestão de um clube seja efetivamente profissional.

Vamos falar mais especificamente dos principais clubes da nossa cidade (ABC e América). Todos já ouviram falar de projetos mirabolantes, tanto de um quanto de outro. No entanto, desafio quem já viu qualquer um desses projetos. Digo isso por entender que um projeto somente existe se estiver registrado no papel. Se não for assim, como irá quantificar ou qualificar o sucesso ou insucesso desse tal projeto? Em suma, vamos entender que não existe projeto virtual, que fica flutuando na cabeça de dirigente. No máximo, existirá uma boa vontade ou uma boa ou má idéia.

Um clube, para atuar de forma profissional, teria de ter plano estratégico de longo prazo, plano de diretrizes anuais e planos operacionais. Sem isso, toda atuação é amadorística, utilizando a inferência pessoal e o histórico de acertos e desacertos, como únicos instrumentos de administração. Existe uma frase, de domínio público que diz: “se você não sabe aonde quer chegar, qualquer lugar serve”.

Agir com profissionalismo é não repetir erros todos os anos. Mesmo tendo conhecimento das dificuldades estruturais, normativas e legais, o amador teima em repetir os mesmos erros. Agir com profissionalismo é planejar, implantar, acompanhar, corrigir e retroalimentar o processo. Dessa forma, minimiza-se o risco de cometer os mesmos erros, todos os anos.

Quem atua de forma profissional, não fica cobrando do torcedor para que este ajude o clube em um momento de dificuldade. Não. Quem é profissional vê o torcedor como um cliente, como outro qualquer, que consome a partir, não somente, dos seus impulsos emocionais, mas principalmente dos seus impulsos racionais. A partida de futebol é um espetáculo e um produto como qualquer outro que necessita de qualidade, imagem, preço e formas de entrega adequadas, para despertar o interesse do cliente.

Agir com profissionalismo não é pedir que conselheiros “abnegados” façam contribuições em dinheiro para ajudar o fechamento do caixa ou para “trazer” esse ou aquele atleta. Não. A administração profissional não dá o passo maior que a perna. Não gasta o que não tem, não consome antes as receitas futuras, sabe com antecedência os custos e as receitas que advirão, segundo estudo criterioso que faz periodicamente.

A emoção não é o sentimento que dirige um executivo de um clube de futebol. Não. Ao contrário, o profissional dirigente atua, essencialmente, com a razão. Todos os seus passos seguem um planejamento já realizado. Ele sabe a direção a seguir e o objetivo a atingir. Sabe que, muitas vezes, tem de quebrar paradigmas, desagradar alguns, para sobreviver e vencer.

Um dirigente profissional não vê o seu concorrente/adversário como um inimigo. Nunca quer destruí-lo. Não. O profissionalismo ensina que o seu concorrente precisa viver para gerar e ampliar mercado. Existe um ditado popular que diz: “quanto mais cabra, mais cabrito”. Não é uma questão de ser o melhor em campo. Precisa ser o melhor fora de campo, para que isso reflita positivamente dentro do campo.

Fazer com que o clube sirva aos seus interesses pessoais, seja para atender necessidades eleitorais, de vaidade ou de cunho financeiro, não é a postura de um verdadeiro dirigente profissional. Não. Um profissional vê a instituição para a qual trabalha, como uma pessoa independente que pretende se fortalecer, crescer e alcançar objetivos. Servir-se dela, seja de que forma for, é um erro e uma postura amadorística.

Dito isso, deixo para vocês a análise e a avaliação sobre a forma como os nossos clubes são dirigidos. Eles são realmente profissionais ou amadores?

HERIBERTO GADÊ DE VASCONCELOS