sábado, 28 de novembro de 2009

CARTA PARA PAPAI NOEL


Meu querido velhinho do pólo norte, protetor dos fracos e dos mais desvalidos, que a tudo olha e pode agir sobre o sonho das pessoas, principalmente daquelas mais inocentes, ponho-me aos teus pés e te suplico: escuta-me!

Toda a minha vida foi cercada de dificuldades. Meu pai, que sobrevivia do recolhimento de papel, plástico e latas de alumínio no lixão da minha cidade, há 10 anos morreu e deixou minha mãe desempregada, cuidando de nove filhos.

Passamos muita fome e muita privação. Doentes, quatro dos meus irmãos morreram de moléstias banais, como uma simples gripe. A desnutrição foi mais responsável que a agressão do vírus e da bactéria. Outros três irmãos enveredaram na vida do crime e transformaram-se em "aviãozinhos" do tráfico. Dois foram mortos pela polícia e o outro está preso. Restaram eu, meu irmão e minha mãe, que trabalha de lavadeira para nos sustentar, dando-nos o mínimo necessário para sobreviver. Eu, mesmo respeitando o grande esforço dela, sei que precisamos de muito mais para ter uma condição de vida, no mínimo, razoável.

Lutei muito. Estudei em colégio público, usando o material de outras pessoas, já que não tinha dinheiro para comprar os meus próprios. Catei ponta de lápis no chão para poder escrever e registrar as minhas aulas em meu caderno, que era um conjunto de várias folhas presas por um “clipse”. Mas eu consegui. Prestei vestibular para uma universidade pública, a única que conseguiria cursar, haja vista que é gratuita.

Vencidos todos esses obstáculos que a vida me presenteou, fui surpreendida por mais uma inexplicável dificuldade. No vestibular, teria de enfrentar a feroz competição de conhecimento, cujos beneficiários são as pessoas com melhor nível de renda, que estudaram em instituições de ensino de qualidade. Além disso, me era exigido superar os índices privilegiados da cota racial. Não achava aquilo justo. O problema é que sou branca e pobre.

Pela primeira vez na minha vida, apesar do orgulho de tantas vitórias conquistadas, desejei ser diferente. Surpreendi-me enquanto reclamava do destino. Logo eu que havia conseguido vencer tantos desafios sem nunca reclamar nada. Minha mãe não podia ser culpada, aliás, eu não poderia responsabilizar ninguém.

É por tudo isso, Papai Noel, que lhe peço: Mude a cor da minha pele. Eu quero ser negra. Tenho consciência do grande débito da sociedade com os negros, mas esse débito existe também para com os pobres. Eu preciso passar no vestibular e sei que, como branca e pobre, não conseguirei ultrapassar as pessoas brancas ricas e as negras, que terão, no vestibular, uma situação privilegiada em relação a mim. Se pelo menos eu fosse rica, teria estudado em melhores colégios e não teria precisado trabalhar tanto para ajudar a minha mãe. Certamente não precisaria da ajuda do Senhor.

Só tenho o Senhor para apelar, pois os políticos que dizem me representar, nunca o fizeram. Dizem que protegem o povo, mesmo sabendo que o povo é constituído, em sua maioria, por pessoas de baixa renda. Acho que estão brincando conosco. Como é que se esqueceram dos nós, os pobres, quando lançaram essas cotas?

Meu bom velhinho, fico aqui esperando-o. Não precisa se preocupar em descer pela chaminé, pois não temos nem fogão na minha casa, o que dizer de uma lareira. Entre pela porta mesmo e cuidado com ela, pois está solta e pode cair em cima do Senhor. Deixarei, sobre a mesa, um pedaço de pão e um copo de leite, para ajudá-lo na empreitada da Noite de Natal. Ah! Ia esquecendo. Se ouvir estampidos, cuidado com as “balas perdidas”.

Beijos de uma grande admiradora que pensa, também, ter direito a uma vida melhor.

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