quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

A MULHER E O CAPITALISTA

O mundo vive, nos últimos tempos, a era das minorias. Grupos de pessoas com características específicas e que sofrem discriminação histórica de uma sociedade essencialmente egoísta ganham espaço e poder. Nada mais justo que esse movimento conquiste o comprometimento com a idéia da busca pela igualdade e respeito a todos os indivíduos, independentemente de credo, raça, opção sexual, limitação física, etc.

Vistos de fora, esses movimentos aparentam estar refletindo o repentino espírito fraterno e leal da nossa sociedade com pessoas que foram desrespeitadas em seu mais básico direito: o de ser igual. No entanto, na minha visão, ao contrário do que parece, noto que várias pessoas e organizações utilizam esses movimentos para o fortalecimento da própria imagem, com o objetivo de aumentar os ganhos financeiros.

Isso tanto é verdade que, em qualquer palestra sobre administração, governança corporativa ou marketing (empresarial ou político), a responsabilidade social e ambiental é colocada como um diferencial para sensibilizar pessoas e conquistar clientes. É um verdadeiro ufanismo pela imagem do "bom moço".

É motivado por tudo isso que me arrisco a tratar sobre um assunto extremamente delicado. Falo sobre as conquistas alcançadas pelas mulheres, a maioria delas atribuída ao movimento que se costuma chamar de “feminismo”. Meu intuito é levantar a questão sobre quem efetivamente teve o interesse de promover todas as mudanças que levaram e estão levando as mulheres a conquistar cada vez mais espaço na sociedade.

Da mesma forma como acontece com os outros movimentos dos grupos reconhecidos como “minorias”, o feminismo também padece de uma falha autoral. Explico: as conquistas, na minha opinião, não tiveram como combustível principal a força gladiadora das mulheres. Ao que parece, tudo não passaria de um interesse puramente econômico do capitalismo.

Vamos analisar mais detidamente. Começo realçando que as justas conquistas das mulheres aconteceram, principalmente, em sociedade conhecidas como capitalistas ou, no mínimo, naquelas que se poderiam denominar semi-capitalistas (as que mascaram seus interesses capitalistas, sob a capa de outro regime econômico/social).

É histórico que a mulher, antes totalmente presa ao lar, começou a participar da vida produtiva propriamente dita, a partir da primeira grande guerra, e se firmou definitivamente com o advento da segunda guerra mundial. A ausência de mão-de-obra masculina, especialmente nos países mais envolvidos na guerra, fez com que as mulheres fossem chamadas para fazer girar as máquinas do capitalismo que estavam fadadas à ociosidade, sob o argumento de que dariam sua contribuição à pátria.

Como todos sabem, com o fim da II guerra, as mulheres, habituadas à recente vida produtiva e remunerada, não quiseram voltar para suas atividades domésticas e decidiram ficar em seus postos. Daí fortaleceu-se o movimento de liberdade da mulher. Grandes mulheres foram elevadas à posição de verdadeiras líderes dos direitos femininos. Parece que, sem elas, as mulheres nunca teriam conseguido chegar à posição em que se encontram.

Voltemos à análise e imaginemos o tamanho do contingente de mão-de-obra existente no meio do século passado, antes e depois da guerra. Não é difícil constatar que, com a entrada repentina de um grande número de mulheres no mercado de trabalho, esse contingente aumentou sensivelmente. Pensando na lógica da lei econômica da oferta e da procura, fica fácil entender como o capital foi beneficiado.

Aliado a tudo isso, A convocação da mão-de-obra feminina tirou da ociosidade um contingente significativo, que veio elevando a massa potencial da “força de mão-de-obra marginal” (aquela que está desempregada e que serve de contraponto para a regulação dos valores dos salários).

As pessoas que tenham mais de 40 anos lembram que, quando crianças, somente seu pai trabalhava e sustentava a família com apenas um salário. Naquela época, a oferta era compatível com o valor do salário de sustentação da família, mesmo quando a prole era elevada. Na prática, vejam só o que aconteceu com o decorrer do tempo: as mulheres entraram no mercado de trabalho, dobraram a procura por emprego e o que aconteceu? O SALÁRIO CAIU PELA METADE.

Agora, somente com o salário do pai e da mãe, juntos, é que uma família pode ser sofrivelmente sustentada. Eu fico aqui a perguntar: Quem ganhou com isso? Tenho certeza de que não foram os homens nem a família. Quanto às mulheres, eu também tenho as minhas dúvidas. Porém, que os donos do capital ganharam muito mais do que estavam ganhando, disso eu tenho total certeza.

Como podemos notar, o capital aumentou o contingente de trabalho, reduzindo sensivelmente seus custos, combustível mais do que suficiente para promover o desenvolvimento e a acumulação de mais riqueza, em benefício daqueles que o controlam.

É por tudo isso que eu costumo dizer que o feminismo é um movimento que prosperou muito mais pelo claro e lucrativo interesse dos capitalistas, que pelo louvável esforço das mulheres. Cabe a frase: “o feminismo é muito menos feminino que capitalista”.

HERIBERTO GADÊ DE VASCONCELOS
23.12.2009


sábado, 28 de novembro de 2009

CARTA PARA PAPAI NOEL


Meu querido velhinho do pólo norte, protetor dos fracos e dos mais desvalidos, que a tudo olha e pode agir sobre o sonho das pessoas, principalmente daquelas mais inocentes, ponho-me aos teus pés e te suplico: escuta-me!

Toda a minha vida foi cercada de dificuldades. Meu pai, que sobrevivia do recolhimento de papel, plástico e latas de alumínio no lixão da minha cidade, há 10 anos morreu e deixou minha mãe desempregada, cuidando de nove filhos.

Passamos muita fome e muita privação. Doentes, quatro dos meus irmãos morreram de moléstias banais, como uma simples gripe. A desnutrição foi mais responsável que a agressão do vírus e da bactéria. Outros três irmãos enveredaram na vida do crime e transformaram-se em "aviãozinhos" do tráfico. Dois foram mortos pela polícia e o outro está preso. Restaram eu, meu irmão e minha mãe, que trabalha de lavadeira para nos sustentar, dando-nos o mínimo necessário para sobreviver. Eu, mesmo respeitando o grande esforço dela, sei que precisamos de muito mais para ter uma condição de vida, no mínimo, razoável.

Lutei muito. Estudei em colégio público, usando o material de outras pessoas, já que não tinha dinheiro para comprar os meus próprios. Catei ponta de lápis no chão para poder escrever e registrar as minhas aulas em meu caderno, que era um conjunto de várias folhas presas por um “clipse”. Mas eu consegui. Prestei vestibular para uma universidade pública, a única que conseguiria cursar, haja vista que é gratuita.

Vencidos todos esses obstáculos que a vida me presenteou, fui surpreendida por mais uma inexplicável dificuldade. No vestibular, teria de enfrentar a feroz competição de conhecimento, cujos beneficiários são as pessoas com melhor nível de renda, que estudaram em instituições de ensino de qualidade. Além disso, me era exigido superar os índices privilegiados da cota racial. Não achava aquilo justo. O problema é que sou branca e pobre.

Pela primeira vez na minha vida, apesar do orgulho de tantas vitórias conquistadas, desejei ser diferente. Surpreendi-me enquanto reclamava do destino. Logo eu que havia conseguido vencer tantos desafios sem nunca reclamar nada. Minha mãe não podia ser culpada, aliás, eu não poderia responsabilizar ninguém.

É por tudo isso, Papai Noel, que lhe peço: Mude a cor da minha pele. Eu quero ser negra. Tenho consciência do grande débito da sociedade com os negros, mas esse débito existe também para com os pobres. Eu preciso passar no vestibular e sei que, como branca e pobre, não conseguirei ultrapassar as pessoas brancas ricas e as negras, que terão, no vestibular, uma situação privilegiada em relação a mim. Se pelo menos eu fosse rica, teria estudado em melhores colégios e não teria precisado trabalhar tanto para ajudar a minha mãe. Certamente não precisaria da ajuda do Senhor.

Só tenho o Senhor para apelar, pois os políticos que dizem me representar, nunca o fizeram. Dizem que protegem o povo, mesmo sabendo que o povo é constituído, em sua maioria, por pessoas de baixa renda. Acho que estão brincando conosco. Como é que se esqueceram dos nós, os pobres, quando lançaram essas cotas?

Meu bom velhinho, fico aqui esperando-o. Não precisa se preocupar em descer pela chaminé, pois não temos nem fogão na minha casa, o que dizer de uma lareira. Entre pela porta mesmo e cuidado com ela, pois está solta e pode cair em cima do Senhor. Deixarei, sobre a mesa, um pedaço de pão e um copo de leite, para ajudá-lo na empreitada da Noite de Natal. Ah! Ia esquecendo. Se ouvir estampidos, cuidado com as “balas perdidas”.

Beijos de uma grande admiradora que pensa, também, ter direito a uma vida melhor.

domingo, 15 de novembro de 2009

ANTES EMPATAR QUE VENCER!


Outro dia, em uma roda de amigos, sem perceber, ao deixar que meus pensamentos fluíssem, escapou-me a seguinte expressão: “Em termos de equipe, empatar é mais importante que vencer!”. Como não podia deixar de ser, meus amigos, surpreendidos, me interpelaram imediatamente, afirmando que o negócio é vencer sempre, perder... jamais.

O que eu disse, de forma isolada e considerando que vivemos em uma sociedade que transformou a convivência humana em uma verdadeira competição de “vida e morte”, reconheço, é para causar espanto.

Estou ciente de que a competição é elemento básico e natural entre os seres vivos. Todos eles competem para ocupar seus espaços e garantir a sobrevivência. Nós, humanos e pseudo-racionais, deveríamos utilizar esse tal de raciocínio para nos diferenciarmos dos ditos irracionais, mas não estamos fazendo assim. Ao contrário, todo dia é dia de luta, de competição. E fico a me perguntar se essa é a única forma de viver.

Neste momento da minha vida, não acho que a competição entre os seres humanos deva ser tão necessária quanto é na vida irracional/vegetal. A minha frase sobre o empate, na verdade, reflete a essência e a configuração do que tenho pensado ultimamente.

Para que eu possa me fazer entender, preciso reconhecer que todos nós, especialmente as últimas gerações, somos frutos de uma louca “corrida ao dinheiro”. É a transformação do dispensável em artigo de primeira necessidade. As últimas gerações foram formatadas para competir, derrubar seu semelhante a qualquer preço, e acumular cada vez mais, de preferência, retirando o máximo dos seus semelhantes. Em suma, seguir o velho ditado de que “a medida do ter não enche nunca”. É diante disso que aceito o espanto dos meus amigos.

Não quero subverter a formação cultural/social de ninguém, porém gostaria de fazê-los enveredar por um outro vértice do raciocínio. Pensemos em tudo como se fossemos uma equipe de futebol. Enquanto equipe, pretendemos vencer os nossos adversários. Neste caso, queremos que todos os componentes da equipe se saiam igualmente bem. Se isso ocorre, todos empatam entre si. Concordam? Neste caso, o empate é o melhor que pode acontecer.

Quando, em uma equipe, alguém busca notabilizar-se mais que os outros companheiros, existirão vencedores e vencidos. O que ocorrerá é que essa equipe estará fadada ao insucesso, apesar de alguns se acharem, momentaneamente, vencedores. Já, neste caso, a vitória de uns não será melhor que o empate entre eles mesmos.

Numa equipe, o equilíbrio é fator fundamental para seu sucesso. Ninguém pode ser melhor que ninguém, dentro de uma equipe. Todos têm a sua importância e, por isso, equiparam-se entre si, para que se alcance o objetivo do grupo, ou seja, deve existir uma situação de “empate”.

Infelizmente, no ambiente do nosso trabalho, também acontece essa mesma guerra intra-equipes que é, muitas vezes, alimentada por consultores renomados, travestidos de senhores da verdade, e por chefes despreparados. Todos eles fazem apologia à vitória pessoal e individual nem que, para isso, sejam sobrepujados e destruídos aqueles “fracos e despreparados” que estão em seu caminho, independentemente de esses “fracos” estarem dentro da sua própria equipe. A lei passa a ser a de que “os fins justificarão os meios”.

A competição entre os seres humanos os desumaniza, já que destrói a cooperação e a solidariedade, instrumentos fundamentais (estes sim) para uma cordial e humana convivência. Por isso que, ultimamente, tenho preferido empatar.

HERIBERTO GADÊ DE VASCONCELOS

terça-feira, 10 de novembro de 2009

SENTA QUE O LEÃO É MANSO

No meio empresarial, o banco ostenta um conceito que representa a dicotomia entre o salvador da pátria e os assustadores cavaleiros do apocalipse. As maiores reclamações sobre qualquer banco são, basicamente, duas: a primeira é a de que o banco é muito lento e burocrático para emprestar dinheiro e a segunda é a de que o banco é ladrão, não se importa com a atividade produtiva e que só quer lucrar.


A maior parte das reclamações estará concentrada nessas duas vertentes, de acordo com a situação experimentada por eles. A primeira afirmação será feita por aqueles que precisam mortalmente do banco e que sua situação financeira vexatória não recomenda demora. A segunda, com certeza, sairá dos usuários que já estão endividados e apresentam situação financeira comprometida e sem condições para alcançar outros empréstimos bancários.

Em todo caso, todos reclamam mesmo dos bancos. No entanto, poucos perceberam que o banco é uma atividade empresarial como outra qualquer. O banco comercializa produtos, tanto quanto os demais estabelecimentos. A confusão, muitas vezes, está na forma deletéria como os praticantes da usura são vistos, desde os primórdios da vida econômica do mundo. Fato esse bastante reforçado pela mídia em geral.

Mas vamos ver de outra forma. Imaginemos o banco como uma farmácia. Da mesma forma como a farmácia vende produtos que visam manter ou restabelecer a saúde das pessoas, o banco vende dinheiro para manter ou restabelecer a saúde financeira da empresas. Dito assim parece até piada. Porém, não é.

O que faz a confusão é que o banco é tido como uma instituição tirana que leva todos para a miséria e joga os trabalhadores e empresários na lama. Bem trágico não é? Então vamos ver como uma farmácia também pode ser tirana. Imagine que você chega à farmácia com uma dor de cabeça daquelas e o farmacêutico te receita uma remédio em uma dosagem 10 vezes maior que a adequada. O que acontece? Certamente você vai ter grandes complicações com sua saúde, com grande risco de morrer.

O que se depreende é que a farmácia, tanto quanto o banco, somente serão úteis se o produto comprado e digerido pelo cliente for adequado, bem como sua dosagem definida corretamente. O médico, assim como o dirigente da empresa, precisa saber qual remédio e dosagem a receitar, respectivamente para o paciente e para empresa, sob pena de matá-los ou não curar a doença.

Se você é dos que acham que banco é um bicho-papão, passe a vislumbrar o que ele pode lhe proporcionar de bom. Lembre, também, que nenhuma economia floresceu sem a utilização do empréstimo de capital de terceiro, especialmente aqueles originados nos bancos.

Por tudo isso é que eu sempre recomendo que, se você estiver doente, procure um bom médico.

HERIBERTO GADÊ DE VASCONCELOS
10.11.2009

domingo, 8 de novembro de 2009

O BARULHO DE ESTOURO DE BOIADA

Em minha vida profissional me deparei com uma infinidade de circunstâncias onde a melhor decisão não era aquela que estava ali, na minha frente, dando pinta de que não havia outra possibilidade e que a chance de errar era praticamente nula.

Existem ocasiões em que a própria equipe, pressionada pela tensão do dia-a-dia e motivada pelo interesse de contribuir da melhor forma para uma solução rápida, passa a colocar o problema como centro do universo, gerando um clima de pressão velada sobre o gestor.

Muitos de vocês, talvez, já devem ter enfrentado aqueles momentos de pressão no trabalho, especialmente em que componentes da equipe chegam para o gestor e dizem assustados: - Chefe, o pessoal está todo reclamando do horário de funcionamento do nosso atendimento. Todos os clientes dizem que não devíamos começar o atendimento às 08 horas. Eles estão querendo que o atendimento se inicie às 07 horas, pois é um horário mais adequado e as pessoas não perdem parte importante do dia.

O que você faria? Mudaria rapidamente o horário de atendimento e correria para comunicar a todos que o novo horário era aquele que a sua equipe estava dizendo ser a opinião de todos os clientes? Faria isso sem pestanejar e avaliar as perdas financeiras que poderiam vir acompanhadas da decisão?

Olha que estamos falando de “feedback” dos clientes e isso, acima de qualquer coisa, merece toda a nossa atenção. Normalmente o chefe, pressionado pelas circunstâncias, atende rapidamente ao anseio da equipe e muda ou estende o horário de atendimento, mesmo quando aquilo representa uma perda financeira. Na cabeça do chefe só está rondando aquela mensagem que já escutou tantas vezes: o cliente sempre tem razão e pronto! Por outro lado, vivemos um mundo de mudanças em alta velocidade e somos pressionados para agir na mesma velocidade.

Bom, vamos por partes: em primeiro lugar, indiscutivelmente, a agilidade é sempre necessária. O que as pessoas normalmente não notam é que uma decisão para ter uma grande chance de acerto, ela precisa ser cercada de informações, muito mais que de agilidade. Decidir sem dados é fatal, mesmo quando é feito com rapidez. Lembrem sempre que se deve evitar confundir decisão apressada com decisão ágil.

Em segundo lugar, gostaria de reconhecer que é muito importante estar alerta à opinião dos clientes. A empresa deve seguir a direção da vontade e desejos das pessoas e, especialmente, dos seus clientes. No entanto, é bom estar também alerta para um fato corriqueiro em nossas organizações que denomino “barulho de estouro de boiada”.

Como a própria frase quer dizer: mais importante que ter a capacidade de ouvir o “barulho”, precisamos saber se a boiada existe. Um líder não pode tomar decisões ouvindo, apenas, o barulho da boiada. Explico: Quando falamos em opinião dos clientes, devemos ter certeza de que estamos tratando da manifestação de parte significativa desses clientes. Caso contrário, é só “barulho”.

Quando você se deparar com casos como esses, algo muito comum em todos os ambientes de trabalho, não se deixe levar pela emoção da sua equipe. Apesar de a emoção ser mola propulsora para a superação de obstáculos, o líder tem a obrigação de usar a razão para analisar as situações que lhes são apresentadas. Então, questione; busque todas as informações necessárias; estruture, se necessário, uma pesquisa rápida e simples para averiguar a quantas vezes o fato apontado ocorre. Caso o número se apresente inexpressivo é porque existe uma grande chance de aquilo ser, somente, “barulho de estouro de boiada”. Neste caso, a única decisão a tomar é continuar observando.

Na maior parte das vezes, e você pode comprovar isso, esses casos são apenas defeitos de avaliação da equipe, situação em que é necessária a intervenção formadora do líder, para aferição da correção do que está sendo percebido pela equipe, sem perder a excelente oportunidade de crescimento profissional de todos.

HERIBERTO GADÊ DE VASCONCELOS
08.11.2009

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A CADEIA ALIMENTAR DO FUTEBOL

O que conhecemos por Cadeia Alimentar é a estrutura que rege a sobrevivência em nosso planeta. É a mesma coisa de quando falamos em “lei da selva”. Estamos igualmente tratando das regras naturais que determinam a forma de sobrevivência de todas as espécies do nosso planeta. A regra diz que o mais forte vence o mais fraco, dentro de toda a pirâmide que forma a Cadeia Alimentar. O que é importante ver é que o mais fraco, dentro de cada segmento da Cadeia, tem tanta importância quanto o mais forte, uma vez que a sua existência e sacrifício é que viabilizam a continuidade da vida.

No futebol, apesar de não nos darmos conta, acontece algo bem parecido. O que atrapalha é quando os dirigentes, principalmente daquelas instituições, ditas mais fracas, não se reconhecem na base da Cadeia Alimentar do Futebol e, assim, e tentam subverter a ordem natural das coisas.

O que diferencia o futebol do reino animal é que as posições entre os fracos e fortes podem se alternar, dependendo da competência dos que dirigem as instituições envolvidas. Imaginemos a hipótese de um Príncipe Árabe do Petróleo se encantar com o Auto Esporte Clube da Paraíba ou com o Potyguar do Rio Grande do Norte. Caso isso viesse a acontecer e esses clubes fossem inundados por dólares e euros, a ordem normal das coisas iria, certamente, se inverter.

Levando em conta que estamos falando de um sonho praticamente inatingível, resta reconhecer a posição de cada um na Cadeia Alimentar do Futebol: Nossos clubes do Nordeste, especialmente dos estados menores, estão na BASE da Cadeia. Inicialmente isso pode parecer totalmente negativo. Não é verdade. O fato ter consciência das suas potencialidades e carências é de fundamental importância para o correto planejamento de um clube de futebol. Pois é, até agora eu estava mesmo falando de planejamento.

Vamos em frente. Vocês sabem que nossos clubes dependem dos jogadores egressos do campeonato paulista, para formação dos seus plantéis, com vistas à disputa do campeonato nacional. Da mesma forma, os nossos clubes sofrem com a escassez de jogadores de melhor nível, quando o Campeonato Paulista está em andamento.

Parece difícil de solucionar, mas não é. Vamos traçar um paralelo com a Cadeia Alimentar: é sabido que os principais clubes da Europa e Ásia se lançam na busca dos jogadores da África e das Américas do Sul e Central, uma vez que conseguem fazê-lo sem dispender maiores somas de dinheiro, como teriam de fazer, quando o jogador já está na Europa. Da mesma forma, o clubes do centro sul do Brasil vem para cá para levar, bem baratinho, nossos jogadores.

E com relação a nós, tem jeito para isso? É claro que tem. Vamos fazer a mesma coisa que os que estão acima de nós, na Cadeia Alimentar. Se o jogador dos grandes centros é caro, devemos ir à busca daqueles que estejam escondidos em centros menos badalados, no que diz respeito a futebol. É como fazer valer a lei da selva, vamos buscar jogadores em centros que não podem concorrer conosco, em matéria financeira, de estrutura ou de tradição.

Temos, pelo menos, 8 estados (Tocantins, Roraima, Rondônia, Piauí, Maranhão, Amazonas, Amapá e Acre), de menor expressão no futebol que o nosso Estado, para ir garimpar lá jogadores para nossas equipes, isso sem falar nas diversas cidades do interior dos estados do Nordeste, de onde, de vez em quando, são pinçados jogadores para equipes do sul e sudeste Brasileiro, bem embaixo dos nossos narizes.

Parece coisa do outro mundo, mas não é. O orçamento para isso não é maior que o valor pago a certos jogadores que vêm por aqui e não fazem jus ao prato de refeição que comem. O difícil, reconheço, é ter um profissional de visão para realizar esse importante trabalho. Isso nada mais é que o retorno do olheiro, função que os nossos dirigentes substituíram pelo famigerado DVD.

Não poderia afirmar com segurança o orçamento mensal com cada um desses profissionais, mas me arrisco a dizer que o valor de despesas e salário não ultrapassaria a casa dos R$ 6.000,00, por mês/profissional. Se forem três profissionais esse valor seria de R$ 18.000,00. O que tenho certeza é de que o retorno, representado pela redução de folha mensal do plantel e pela possibilidade de ganhos na venda desses valores, será bem maior do que o que os nossos clubes vêm conseguindo com a metodologia atual de formação de plantel.

E tem mais: quem começar antes, vai colher os frutos mais cedo. O certo é que falamos de boa técnica administrativa, o que só se consegue com a profissionalização na gestão dos nossos clubes.

HERIBERTO GADÊ DE VASCONCELOS
21.10.2009

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

CARIDADE COM O DINHEIRO ALHEIO

Desde que me entendo de gente que, quando escuto falar de futebol, ouço aquela velha cantilena: “a evasão de renda é que acaba com o futebol”. O que espanta, ainda mais, é o fato de que são os dirigentes dos clubes e das federações que mais reclamam. Ora, ninguém é inocente. Não preciso citar aqui o porquê de isso tudo acontecer. É tão cristalino que dói.

Prefiro não tocar no assunto “evasão”. Existe outro problema que, esse sim, é trágico para os clubes de futebol: o “caronismo”. Essa tem sido a marca daqueles que comandam os órgãos que administram os estádios públicos e dos dirigentes das federações. Sei que não é idéia deles. Eles somente copiam aqueles que se utilizam espertamente desses artifícios.

Vejam o caso da gratuidade dos idosos. Vendo de longe alguns hão de pensar que se tratou de uma medida humanitária, bondosa e reconhecedora daqueles que criaram a lei e a aprovaram. É muita inocência dessas pobres pessoas. Ora, o que eles fizeram foi praticar a caridade com o dinheiro alheio. Quando, por exemplo, um idoso utiliza gratuitamente o ônibus, ele está contribuindo para elevar o preço da passagem e os demais usuários pagam a conta. Isso é lógico, mas pouca gente nota.

Não preciso nem me estender dizendo que se a aposentadoria daquele idoso fosse justa ele não precisaria dessa “esmola”. É o poder público fazendo com que os outros paguem pela sua incompetência. Seria engraçado ver um grande empresário idoso andando gratuitamente de ônibus.

Do mesmo modo ocorre em um jogo de futebol. Precisamos nos habituar a chamar de “espetáculo de futebol”, porque é exatamente o que uma partida de futebol profissional é: um espetáculo, onde artistas se apresentam para o entretenimento de um grupo de pessoas, que estão dispostas a pagar para vê-los ação.

Quando fico sabendo que estão discutindo a gratuidade, para alguns privilegiados, a ser praticada nos espetáculos de futebol, me pergunto se não seria melhor inverter a ordem das coisas e fazer com que aquele que não pode pagar o ingresso é que fosse beneficiário da gratuidade. Pelo menos, nesse caso, haveria uma justificativa plausível.

Para mim, somente os artistas que se apresentarão e os profissionais no real exercício dos seus trabalhos naquele espetáculo, é que teriam direito à gratuidade. Atletas veteranos ou não, dirigentes de outros clubes (alheios àquele espetáculo), autoridades de qualquer natureza (que não no exercício da sua atividade) e crianças (exceto as de colo) não deveriam ter direito à gratuidade.

Basta olhar em volta e perceber que esse negócio gratuidade é um completo absurdo. Quem for contrário, deveria abrir mão do seu salário ou qualquer renda e passar a trabalhar de graça, ou seja, praticando a gratuidade completa. Quem fizer isso, merecerá o meu respeito.

Falo isso pensando como seria engraçado ver um representante de cada grupamento que citei, no aeroporto, tentando convencer os funcionários de uma empresa aérea de que teria direito de viajar de graça. Ora, não me façam rir.

Por que fazem tão pouco caso do futebol?

HERIBERTO GADÊ DE VASCONCELOS

domingo, 18 de outubro de 2009

A GUERRA

Sinto-me suspensa no ar por duas mãos que me sustentam firme, mas carinhosamente. O espaço ao meu redor é sombrio. Homens vestidos de negro estão nas proximidades em um cubículo apertado e que recebe pouca iluminação e nenhuma ventilação. O ambiente é angustiante, denso e irradia muita tensão. Fico a me perguntar quem seriam essas pessoas que, com movimentos lentos, porém firmes, se portam como a aguardar que alguma coisa muito importante aconteça.


Eu ali estou perplexa e impotente, presa entre as mãos de um desses homens. Se em um momento sou acariciada, em outro sou apertada e jogada de uma mão para outra, em movimentos nervosos. Isso também me deixa nervosa e desconfortável.

Sinto-me totalmente dominada e sei que esse domínio se dá de forma bastante organizada. A pessoa que me tem entre suas mãos é a que parece comandar as demais. Estou indefesa. O que estaria acontecendo? Ou melhor, o que está para acontecer? O que será de mim?

Continuo nas mãos daquele comandante. Seu exército é diminuto, não passa de dois soldados, porém esses comandados seguem, sem pestanejar, as ordens que recebem.

Finalmente saímos daquele pequeno quarto. Caminhamos, agora, por um extenso corredor que, de tão sombrio, me assusta mais que aquele pequeno espaço que ocupávamos. Na verdade estamos atravessando um túnel. Não consigo definir a cor das paredes, pois estão sujas ou são muito mal pintadas, se é que foram pintadas um dia. O teto é perigosamente baixo, o que me passa uma sensação de opressão, e também recebeu o mesmo tratamento do pintor que cuidou das paredes. A pouca e espaçada iluminação contribui ainda mais para deixar o lugar triste. O meu medo só aumenta.

Os soldados que me levam, a cada passo que dão, ficam mais nervosos. Eu posso sentir o suor umedecer as mãos do comandante. O que estariam pensando? O que temiam? Seguem por aquele corredor lúgubre, em completo silêncio. Vez por outra, fitam uma tênue luz que se vislumbra bem no fim daquele funesto túnel.

Agora o inquietante silêncio começa a ser quebrado por sons ainda tímidos. O que teria acontecido? Escuto, ao longe, sons inteligíveis. Será música? Não sei. Não dá para identificar, mas percebo que existe alguma maleabilidade na constância daqueles sons. Se não é música, é algo que se complementa em ritmo lógico e cadenciado. Quieta, aguço meus ouvidos. Os sons me chegam com mais volume, à medida que sou levada na direção daquela luz, que fica cada vez mais forte.

Agora consigo identificar. Não é uma música, são várias e executadas juntamente com gritos desconexos. Meu medo só aumenta. Não entendo nada do que está acontecendo. Será que estou sendo levada ao patíbulo? O que teria feito para merecer tão triste fim? Será que aquelas pessoas comemoram minha execução? Continuo firmemente presa entre as mãos daquele impiedoso comandante, que caminha lentamente e a passos firmes na direção daqueles assustadores sons. Estou em pânico.

Preciso de respostas. Não agüento mais aquele suplício. Por que ninguém me acode? Vejo que algumas pessoas pelas quais passamos me olham com um ar de curiosidade e de apreensão, mas não sentem pena. Pelo contrário, às vezes, demonstram alegria. Recebo algumas tapinhas nas costas, enquanto vou sendo conduzida entre essas pessoas. Algumas crianças sorriem, gritam e pulam. Será que até aqueles inocentes se regozijam com o meu sofrimento? Que povo desalmado era aquele?

Posso notar que o corredor vai terminando e a luz está ficando mais forte. Aquela intensa luz me agride, pois meus olhos não estão ainda acostumados a tanta luminosidade. Só agora notei que o piso daquele corredor, diferentemente do teto e das paredes, é revestido com alguma coisa macia, apesar de ser preto e assustador. Algumas vezes sou jogada contra aquele piso, porém não sinto dor. Ao contrário, me sinto estranhamente confortável ao tocá-lo. Continuo, ainda, presa entre as fortes mãos do comandante.

O barulho, agora, é ensurdecedor. Estávamos no final do corredor e começamos a subir uma escada, que se estendia na direção daquela forte luz. O meu fim estava chegando, pensei. Apurei o ouvido. Era música aquilo que eu ouvia. Aliás, muitas músicas cantadas ao mesmo tempo. Por incrível que pareça, começava a me sentir aliviada e feliz. Será que nosso organismo nos embriaga com doses excessivas de alucinógenos para que não sintamos o sofrimento da morte? Só podia ser isso.

Chegamos ao topo da escada. Descortina diante dos meus olhos um grande espaço colorido. É um festival infindável de cores sem que eu consiga entender o nexo entre elas, talvez por ter cor para todos os gostos. O que vejo é bonito e contagiante, bem diferente daquele triste lugar do qual acabara de sair. O som dos gritos parece querer me enlouquecer. Se aquela multidão estava ali para presenciar minha execução, não o faziam com nenhum sentimento de ódio. Na verdade eu sentia uma áurea de contentamento e de prazer. Será que a minha morte provocava tanta alegria para aquele povo sádico? Voltei a sentir aquela sensação de perda. Na verdade, perda de mim mesma.

O céu está limpo e o sol brilha intensamente. Corre uma brisa agradável que me envolve e consola. Era um lindo dia para viver... e eu ia morrer. Aquilo não poderia estar acontecendo. Eu não lembrava ter feito nada para ser tirada do convívio dos meus. Aquilo era uma verdadeira injustiça.

Minha preocupação aumenta quando noto que o tom da música se modifica abruptamente. Enquanto o comandante me conduz para o descampado, acompanhado dos seus inseparáveis soldados, ouço gritos ameaçadores e que transmitem, desta vez, ódio. A quem ameaçam? A mim? O que teria acontecido para aquela multidão passar da alegria ao ódio com tanta rapidez? Estava atônita.

Parece que os soldados se assustaram com aqueles gritos ameaçadores, pois correu um para cada lado, deixando o comandante sozinho no meio do descampado. Eu, infelizmente, ainda continuava sob o domínio do comandante, presa entre as suas mãos.

Tão rápido como começou a gritar ferozmente, a turba voltou a entoar os cânticos anteriores, pulando de alegria. Essa alternância de comportamento me deixava mais nervosa e perdida.

Vejo que o descampado, agora, está cheio de pessoas. O meu comandante, bastante nervoso, me atirou, com força, no chão. Para minha surpresa, aquele solo era ainda mais macio que o piso do escuro corredor por onde passara. Estranhamente não sentia dores. Ao contrário. Eu estava gostando daquilo, como se houvesse em mim um sentimento masoquista. Não podia negar, estava mesmo uma delícia.

Havia uma multidão ao meu redor. Todos queriam me pegar. Eles me apalpavam indecentemente, comprimiam, beijavam, é isso mesmo: beijavam. Eu ali impotente me deixava luxuriosamente ser abusada. Eu continuava gostando. O que iria dizer aos meus pais? Engraçado, naquele momento, não lembrava muito bem deles.

O comandante não para de dar ordens. Parece até que seu exército aumentou. Devem ter chegado outros destacamentos. Vestem fardamentos diversos, mas o obedecem cegamente, da mesma forma que os outros dois soldados que o acompanharam até bem pouco tempo atrás. Falando nisso, onde será que aqueles covardes se meteram?

Depois de muita discussão em minha volta, um dos comandados me abraça com um carinho que eu ainda não havia sentido em toda a minha vida. Olha para mim com admiração e me faz deitar delicadamente naquele macio chão. Fico ali, inerte. Espero. O que iriam fazer comigo? Era chegada a minha hora? Não acreditava, pois ninguém machuca a quem trata com tanto carinho. Aquele soldado haveria de me proteger.

Não deu tempo nem de pensar. Subitamente outro soldado me bate com os pés levemente duas vezes e, para minha surpresa, me aplica um vigoroso chute na altura dos rins. Quero tossir e não me sinto estimulada. Estranho, mais uma vez não sinto dores, aquilo não me machuca, parece um carinho. – É... Devo estar no meu último estertor, deve ser a “visita da saúde”.

Sou jogada de um lado para o outro. Brigam por mim. Todos querem me maltratar. Parece até que a minha morte vale prêmio para aqueles soldados. Se as minhas roupas não estivessem tão justas, já teriam me rasgado toda. De repente acontece uma gritaria infernal. Há um soldado inerte, no chão. – Ei! Eu não fiz nada. Não fui eu que o atingi, gritava eu sem parar. A confusão estava formada e ninguém me dava ouvidos. Iniciou-se uma pequena briga entre os soldados. Meu comandante – parece até que eu estava gostando dele – ali no meio do tumulto gesticula, grita e empurra. Ninguém atende. Onde estaria seu poder de comando?

Minutos nervosos se passam e, para minha surpresa, aqueles que queriam me destruir estão ali discutindo e esqueceram-se de mim. Surpreendo-me detestando aquela situação. Passado tanto tempo sendo alvo da atenção dos meus algozes, estava ali desprezada e eu não gostava nem um pouco daquilo. Queria voltar a ser o centro das atenções, mesmo que aquilo significasse a antecipação do meu fim. Os gritos não param, a música fica mais forte e eu noto que nem todos estão a gritar. Uma parte daquela horda está inexplicavelmente em silêncio. Será que teria alguma chance com aquela momentânea discórdia? Eu não estava entendendo nada.

Para meu desespero, com alguns minutos os ânimos serenam. Um soldado, que me parece bastante apreensivo, como se carregasse grande carga de responsabilidade nos ombros, se aproxima de mim, me levanta do chão, me apalpa, me beija e, com inexplicável cuidado, me coloca suavemente de volta ao chão. Fecho os olhos. – É agora, pensei. Eu tremia vigorosamente.

O meu carrasco me deixa e se afasta vagarosamente a passos curtos e sem tirar os olhos de mim. Certamente para que eu não fugisse do meu triste destino. Eu também não tiro os olhos dele. Não há ninguém nas proximidades. Os soldados, à distância, estão olhando para mim, mas por algum motivo que desconheço não se aproximam. Parecem estátuas.

Após um longo e estridente som “trinado”, o meu executor, como que tocado por algo supremo, saiu da momentânea inércia e iniciou uma desembestada corrida em minha direção. Vinha bufando. – Está se mordendo de raiva de mim, murmurei baixinho, vai acabar com a minha triste e curta vida. Fechei os olhos e entreguei a Deus o meu destino.

Assim que chegou, me deu tamanho chutão na boca do estômago que achei que ia botar todas as vísceras para fora. Quase virei completamente ao avesso. Fui arremessada com uma força estonteante, mas não pude precisar a direção, pois viajava de costas, em altíssima velocidade e continuava de olhos fechados.

Ainda senti algo me tocar, pareciam mãos, mas estavam diferentes daquelas que me haviam acariciado, estavam mais grossas e estranhamente pareciam revestidas em plumas. Logo em seguida me vi enlaçada em uma espécie de malha que reduziu a velocidade do meu corpo, me envolveu com doçura e amorteceu a minha queda.

Ouvi um som estrondoso, muito maior do que tudo que já havia ouvido até ali. Alguns soldados passaram a correr loucamente, em todas as direções. Gritavam e pulavam como crianças. Surpreendentemente, constatei que, em contrapartida àquela algazarra, outros soldados estavam tristes e cabisbaixos. Tudo aquilo era uma incógnita para mim. O que danado estaria provocando aquela dicotomia?

Acho que nunca vou descobrir. O que verdadeiramente sei é que ao cair no chão envolvido naquela gostosa malha branca, ouvi, ao longe, vindo da multidão enlouquecida, um grito uníssono que parecia dizer algo como Tôôôôoo, ou Vôôooo, ou, ainda: Gôooool. Ah! Acho que era isso mesmo: Gôôooooooooooooooooooooooooool.

Logo depois me levaram de volta para o meio dos soldados para ser carinhosamente chutada, amassada e arremessada de um lado para outro. Até hoje não compreendi direito o que significou tudo aquilo, nem muito menos o porquê de eu haver me amarrado tanto nesse negócio. Acho que são coisas dos Deuses do futebol...

HERIBERTO GADÊ DE VASCONCELOS

sábado, 17 de outubro de 2009

UM DIA DE CAIXA

São 09h55min Estou me preparando para o início do espetáculo. Ali, junto com outros 6 colegas, fazemos parte do grande show diário no atendimento aos clientes da Caixa Econômica Federal, na agência Alecrim, em Natal (RN).

Digo espetáculo, pois me sinto como uma componente de uma grande companhia que todos os dias precisa ofertar seu sorriso, conhecimento, apoio e, principalmente, paciência no atendimento dos clientes da CEF, no seu segmento mais humilde. É show em razão de estarmos convivendo com uma parcela significativa do nosso povo. Um povo simples, mas honesto e orgulhoso da sua condição de brasileiro. É a essência do exercício da cidadania.

Pontualmente, às 10h00min, abrem-se as portas da agência e as pessoas, quase aos borbotões, começam a ocupar todos os espaços do saguão da agência. Agitadamente, como se aquele fosse o último minuto das suas vidas, retiram as suas senhas, que servirão para dar a ordem de chamada para o atendimento. Estou pronta e a postos, juntamente com toda a equipe. Esperamos... esperamos...

Finalmente, quando todos estão sentados, faço meu primeiro chamado no painel luminoso. Senha nº 01 e ouve-se o toque eletrônico característico. Vem ao encontro da minha mesa uma senhora que já passa facilmente dos 70 anos. É vigorosa e me transmite a sensação de que teve uma vida de muito trabalho e sofrimento. Assim mesmo, caminha em minha direção com um largo sorriso. Senta-se à minha frente e com a mão trêmula entrega-me o papel onde está registrado o nº 01.
          - Olha moça, apressa-se a dizer a adorável senhora, eu sou pessimista e quero saber como é que eu recebo meu dinheiro que aposentaram pra mim.
          - Como é que é? Perguntei de pronto. E a senhora, agora com um semblante preocupado, repetiu com firmeza.
          - Eu sou pessimista, num sabe? A senhora num sabe o que é não? É que meu “veio” já foi desta pra melhor e eu fiquei aqui recebendo como pessimista. Será que já dispusitaram meu dinheiro? Perguntou a senhora e, espichando o olhar pra saber se estava realmente sendo entendida, completou – É muita dificulidade!

Eu pensei, É hoje! E disse: - Ah bom! A senhora é pensionista do INSS e quer saber se já depositaram o seu dinheiro, não é? A senhora assentiu, mas eu achei que ela estava desconfiada com a minha dificuldade em entendê-la. Mesmo assim verifiquei a sua situação e localizei seu pagamento e concluí o atendimento. Ela sorridente, se despediu e agradeceu. Eu suspirei – comecei bem!

* * *

Volto a acionar o controle e outra vez se houve o som eletrônico chamando nova senha. Aproxima-se um homem franzino de aparência simples.
          - Bom dia. Antes que eu respondesse ao cumprimento ele completa – Tô querendo fazer um impresti mas me disseram que eu não tinha mágica e além disso o meu cartão tá bronqueado. O que eu faço?

E eu haveria de saber? Pensei surpresa. Ajeitei-me na cadeira e, com muita paciência fui verificando cada problema por ele reclamado até que pudesse viabilizar o impresti ou o empréstimo, como queiram. Feito isso, passei a colher os dados para a elaboração do contrato, verificando a margem consignável e desbloqueando seu cartão.

Quando terminei, impresso o contrato, apresentei-lhe e indiquei o local onde deveria ser aposta a assinatura. O senhor olhou para mim, ergueu levemente a mão, e colocando o polegar na posição conhecida de “positivo” me disse confiante:
          - Eu faço é no polegal. E assim ficou por uns parcos segundos com um sorriso maroto nos lábios, enquanto eu me refazia da surpresa e processava a nova informação que queria ser dita.
          - Ahhh bom! Então o senhor não sabe ler nem escrever. Ponderei a exigência legal da assinatura a rogo e... lá se foi uma boa carimbada de dedo e outro cliente satisfeito. Tudo feito e resolvido passei para o próximo.

* * *

O outro cliente não estava só. Acompanhava-o a sua namorada. Tudo levava a crer que ali pulsava uma linda história de amor. O casalzinho não parava de trocar olhares e sorrisos, numa abestalhação que só os enamorados conseguem expressar. Fiquei ali curtindo a alegria e o amor que fluía daqueles dois jovens. Pelo jeito, já tinha data de noivado e casamento marcados. A vida em comum já começara.
          - A senhora é a aberturadeira? Perguntou o rapaz, tão logo sentou à mesa.
          - Se o senhor está querendo abrir uma conta, eu sou a pessoa certa, se não, acho bom procurar uma maternidade, respondi brincando. Sem procurar entender o que eu dizia ele retrucou.
          - É isso mermo. Nós queremos o abrimento de uma conta conjugal.
          - O senhor não acha que está no lugar errado? O Cartório fica no outro quarteirão, brinquei mais uma vez.
          - A senhora é difícil de entender as coisas, replicou o jovem noivo, começando a ficar irritado.
          - Tá bom, já entendi. O senhor quer abrir uma conta-corrente conjunta.
          - É isso mesmo. É tão fácil. Como vocês complicam as coisas simples, completou o rapaz de forma altiva.
          - Me dê seus documentos pessoais e os comprovantes de renda e de residência, disse-lhes eu, já começando a acessar o sistema para atender aos jovens nubentes.

Eles olharam para mim e espantados disseram:
          - Já entregamos toda a papelâmica lá no guincha.

Aturdida me perguntei o que diabo seria aquilo que meus pretensos clientes queriam dizer? Deixa pra lá. Nestes casos o melhor é usar de estratégia para descobrir. Foi o que fiz.
          - Por gentileza, o senhor poderia ir buscar isso aí que o senhor disse e trazer para mim?

Visivelmente chateado com a incompreensão o rapaz levantou-se, foi até o guichê do caixa e pegou uma pasta com documentos e, ao me entregar resmugou:
          - É muita democracia pra resolver as coisas aqui.

Pensei: ahh! então isso é que é a papelâmica. Peguei a documentação e processei a abertura da conta-corrente solicitada, para evitar maiores reclamações sobre a tal burocracia.

* * *

Já no final da tarde, perto do fechamento do expediente externo, certa de que não teria mais surpresas naquele dia, aciono o painel para atendimento de mais um cliente. Era outra senhora que chegava apressada e nervosa.
          - Eu acho um absurdo o que fazem com o povo nessa Caixa, resmunga. Eu queria receber meu piso e ninguém conseguiu descobrir onde ele estava. Se não fosse uma pensão alimentíssima que minha enteada recebe, nós tava passando por necessidade lá em casa. Ainda bem que sou a procuradeira dela e recebi o dinheiro hoje, senão...

Mais uma vez fui verificar e, infelizmente, a cliente não fazia jus ao abono do PIS, como queria. Pelo menos a pensão alimentícia ia segurar a barra até o próximo mês. Informei sobre tudo e, quando já ia saindo, a cliente, que trazia uma criança no colo, pediu.
          - A senhora pode ver o número da minha conta? O número completo, com o disco e tudo. Habituada ao vocabulário, forneci o número e dígito da conta à nervosa cliente.

* * *

Pronto, só falta um cliente. Chamei no painel. Este se apresenta de maneira estranhamente agitada. Quer ser logo atendido e me estende a mão com um papel bem dobrado e um pouco amarrotado, como se tivesse sido guardado com muita força para não ser extraviado. Para ele, era uma verdadeira preciosidade.
          - Tá aqui dona. Foi o homem do INSS que mandou e disse que era pra me atender urgente. Disse isso e ficou de pé na minha frente, a exigir que o atendimento se desse imediatamente. A forma autoritária era hilária. Abri com cuidado o bilhete e ali estava escrito: “o portador desta é doido”. Quase sem conseguir sustentar o riso, dobrei o bilhete cuidadosamente e o devolvi e dizendo.
          - Pode procurar o rapaz do INSS e dizer-lhe que já resolvi seu problema aqui na Caixa. Agora o negócio é lá no INSS. E lá se foi o senhor todo feliz em busca da solução de um problema que talvez nem exista.

Assim é o dia-a-dia de cada um dos que trabalham no atendimento de pessoas simples como os que são clientes da Caixa Econômica Federal. Nós que os atendemos e eles que desempenham suas funções na vida do nosso Brasil, estamos, cada um com sua história, construindo um País que, se ainda não é o que queremos, certamente é o melhor que conhecemos.

DEISE CÂMARA P. DE VASCONCELOS

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

PROFECIAS X PROJEÇÕES


A futurologia tem sido uma atividade que vem sendo praticada há muitos anos. Para alguns, é uma das mais antigas atividades profissionais de que se tem notícia. Quem não ouviu falar das profecias de Nostradamus? Quantas deram certo? Quais os mecanismos ou informações que embasavam essas previsões?

Essas são perguntas difíceis de responder. Por outro lado, fica uma outra questão: Por que se dá tanto valor aos “profetas”? A resposta que nos vem em primeiro lugar é a de que o homem tem a necessidade premente de conhecer o seu futuro, para que possa enfrentá-lo de forma adequada para cada situação, evitando os caminhos que o levem a conviver com problemas e a repetição dos erros do passado.

No mundo dos negócios se dá o mesmo fenômeno. Os empresários precisam, diante de um mundo agressivamente capitalista, prever acontecimentos antes do seu concorrente o faça, para que consiga tomar decisões acertadas que, no mínimo, evitem o insucesso da sua empresa. Em muitos casos a indecisão ou a decisão incorreta podem ser a diferença entre o lucro e a falência.

Nesse mundo, os “profetas” são profissionais do mercado, normalmente economistas que, a partir de tendências que julgam perceber, estão sempre realizando previsões que, na maioria das vezes não se confirmam. Essa tem sido a máxima neste século. Várias foram as previsões que não se confirmaram e, mesmo assim, continuamos a buscar, a dar valor e a pagar por esse tipo de previsão.

Um dos motivos para tanto insucesso é a necessidade que temos de conhecer como o fato ocorrerá, nos seus mínimos detalhes, daqui a dez, quinze ou vinte anos. Nem com várias toneladas de informações nós conseguiremos traçar, matematicamente, como o futuro acontecerá. Se assim agirmos, estaremos sendo levianos. Essencialmente, a previsão depende do resultado do comportamento humano que, sabemos, obedece a estímulos diversos e imprevisíveis que se interponham durante todo o tempo. Desconhecer esse aspecto é estar fadado ao erro.

Se assim não acontecesse, vários eventos históricos não teriam ocorrido. Os dominadores nunca deixariam que os dominados lhes tomassem o poder e vice-versa, o Muro de Berlim nunca teria caído ou, convenhamos, nunca teria sido construído.

Outro fator importante para tantos desencontros é a qualidade da nossa informação. Não se pode iniciar um trabalho de projeção com números imprecisos ou com dados estatísticos falhos e incompletos. No Brasil essa situação tem sido um dos motivadores das falhas nas previsões. Para se ter uma idéia, o resultado do PIB deste ano já foi revisto quase uma dezena de vezes, e nós estamos falando do lapso de 12 meses. Qualquer ação que levasse em conta a projeção inicial, estaria fadada ao erro.

Isso tudo nos leva a crer que a informação como um todo é necessária para a construção de um cenário e dentro dele efetuar alguns exercícios de projeção. A simples utilização de números e equações não garante o sucesso da previsão, uma vez que a constante mutação do mundo está a exigir a correção de rumos dentro dos cenários que são elaborados.

Exemplo disso foram as previsões sobre a rápida exaustão das reservas minerais do planeta, especialmente as ligadas ao combustível. Neste caso o cenário estava correto e era lógico que recursos não renováveis viessem a terminar um dia. A falha estava em não prever que novas jazidas seriam encontradas, as máquinas consumiriam cada vez menos, novas formas de energia seriam desenvolvidas, fatos que derrubaram a previsão de não termos petróleo na década de 90.

Então, a que tudo isso nos remete? É claro que não se pode prescindir da projeção, uma vez que ela que nos antecipa o futuro para que possamos ou nos preparar para ele. O importante é que essa previsão seja feita a partir de informações bem montadas, selecionadas e prestadas com toda a agilidade que a conturbação e a velocidade dos acontecimentos do mundo moderno estão a exigir e sempre com a consciência do elevado risco do erro.

Outro ponto de destaque é a correção da previsão. Projetar por si só em um momento estático, mesmo utilizando informação que foram, em um determinado momento, bem montadas, não garante que a empresa estará bem informada sobre as tendências de futuro. O que vale mesmo é a constância da informação, passada de forma correta e em tempo hábil. A informação tem de ser dinâmica como é dinâmico o comportamento humano, pois é principalmente esse comportamento que interfere nas mudanças do mundo.

Resumindo, tão ou mais importante que montar cenários de futuro, é ter capacidade para detectar as mudanças de cenário e agilidade suficiente para corrigir rumos e realinhando, constantemente, o timão da empresa, na direção do objetivo traçado. Cabe a sugestão: ao entrar no túnel do tempo, em direção ao futuro, não esqueça o passado, mas, principalmente, não tire os olhos do presente.

Heriberto Gadê de Vasconcelos
14.10.2009

terça-feira, 13 de outubro de 2009

É LÓGICO QUE O FUTEBOL TEM LÓGICA

Em oportunidades outras tenho comentado sobre o planejamento no futebol e a forma amadora como nossos dirigentes conduzem os clubes. Prendo-me nesse assunto por considerar o futebol uma atividade meramente empresarial como outra qualquer, não obstante o forte componente emocional que envolve o futebol em si. De outra parte, tudo gira mesmo em torno do dinheiro.


Desta vez volto a tratar do assunto de uma ótica diferente, ou seja, apresentando um cenário que teria ou terá de ser avaliado pelos executivos de clubes de futebol, com mais profundidade, pelo menos aqueles dos estados do Nordeste brasileiro e especialmente os de situação econômica mais desfavorecida.


Vejam os senhores a situação da tabela do campeonato brasileiro, tanto da Série A quanto da Série B. Se verificarmos a posição atual desses campeonatos poderemos constatar que os clubes do Nordeste estão muito bem representados nas respectivas zonas de rebaixamento.


Na Série A, dos quatro clubes na terrível zona dois são nordestinos de Pernambuco (Sport e Náutico). Somente o Vitória da Bahia está escapando. Já na Série B, dos oito últimos, 5 são do Nordeste, e desses, 3 estão na zona de rebaixamento. Somente um, o Ceará, de Fortaleza/CE, está escapando na honrosa quarta colocação, posição em que, pelo histórico, tenho certeza, não conseguirá se manter por muito tempo.


Vocês poderiam perguntar: E aí? O que você quer dizer com isso? Eu respondo: O futebol tem uma íntima ligação com a capacidade econômica da região, como, repito, qualquer outra atividade econômica. É isso que os executivos do futebol precisam ter em mente. Claro que não é só isso, mas o poderio econômico contribui para a formação e desempenho das equipes de futebol. O sucesso de uma atividade econômica está na capacidade e na política de investimento nesse setor.


Dito assim parece que estou dizendo o óbvio. Porém as pessoas são levadas a pensar que “David” sempre vence “Golias” e que os clubes do Nordeste têm a capacidade de integrar o grupo de elite do futebol brasileiro e, pasmem, vencer a competição. Esse é um posicionamento meramente emocional e totalmente desprovido de uma análise, nem que seja preliminar, do que tem acontecido no futebol brasileiro e mundial.


Outras pessoas poderiam indagar que o futebol brasileiro sempre se destacou frente aos países de poderio econômico superior. É verdade. No entanto, a partir do momento em que esses países resolveram investir no futebol, o futebol brasileiro deixou de ser o melhor do mundo. Hoje o melhor futebol do mundo é praticado na Inglaterra, na Espanha, na Itália e até na Turquia. Nós, aqui, nos limitamos a ter uma das melhores seleções de futebol do mundo. Só isso.


Vou apresentar para vocês alguns levantamentos preliminares que fiz, acerca dos resultados finais dos campeonatos brasileiros das Séries A e B, a partir do ano de 2001, ano em que deixaram de acontecer aquelas famigeradas “viradas de mesa”. O resultado vai ao encontro do que digo. Notem que, na Série A, estão somente três clubes do Nordeste, um da Bahia e dois de Pernambuco, Estados que respondem sozinhos por 49% do PIB nordestino. Mais uma coincidência.


Nesses nove anos de Série A, as regiões sul e sudeste do país sempre tiveram, em média, algo em torno de 81% dos clubes que participaram dessas edições. Por coincidência, os PIB dessas regiões, somados, correspondem a 73% do PIB brasileiro. Será que é só coincidência? Vamos a um segundo dado: A região Nordeste participa com 13% do PIB nacional e tem tido, em média, nesses nove anos, 11% dos clubes participantes da Série (atualmente está com 15% de participação). Vejam a tabela abaixo:


REGIÕES              Part. % PIB   Clubes na “A” *    Part. % na “A”*
---------------------------------------------------------------------------------------
SUL SUDESTE         73%                    18                            81%
NORDESTE              13%                     2                            11%
C. OESTE                  9%                      1                              6%
NORTE                     5%                       0                             2%
-------------------------------------------------------------------------------------
Média de participação no período de 2001 a 2009
Fontes: Wikipédia e www.bolanaarea.com


Como podem ver, há certa sintonia entre potencial econômico e o número de clubes de futebol na Série A.


Na Série B, precisamos fazer uma avaliação mais cuidadosa. Se observarmos os números de clubes das Séries A, B e C vamos constatar que existe uma gradual redução do número de clubes do sul e sudeste e uma elevação no número de clubes das demais regiões, como demonstrado a seguir:


REGIÕES      Clubes na   Clubes na   Clubes na   Evolução   Evolução
                        Série A(*)    Série B(*)    Série C(*)   A>B           A>C
-----------------------------------------------------------------------------------------
Sul/Sudeste      16                 11                 8                -5               -8
Nordeste             3                  6                  6               +3              +3
C.Oeste               1                  3                  3               +2               +2
Norte                  0                   0                  3               +0               +3
----------------------------------------------------------------------------------------
(*) – Posição atual
Fonte: www.bolanaarea.com


O que acontece aí? Esse quadro pode ser explicado. Na medida em que os principais clubes das regiões sul e sudeste se envolvem nas Séries, em especial a Série A, restam, para ocupar as demais posições, as agremiações de segunda e terceira linhas, cuja condição passa a se assemelhar aos clubes das demais regiões. Com isso, a concorrência fica mais igual e são criadas condições de acesso aos clubes do Nordeste, especialmente.


Em razão disso, não encontraremos, na Série B, uma situação tão clara como se vê na Série A, bem como na Série C, que tem uma metodologia de competição regionalizada. No entanto, os números não se afastam tanto da realidade de vinculação econômica. Com exceção do Nordeste, que tem uma participação percentual acima do imaginado, as demais regiões guardam certa compatibilidade com o potencial econômico.


Mesmo assim, vê-se que, se confirmada a tendência de rebaixamento das rodadas deste primeiro turno, seriam menos três clubes nordestinos na Série B do próximo ano, não considerada a possibilidade de acesso da Série C que, na melhor das hipóteses, poderá promover o acesso de no máximo dois clubes do Nordeste (Icasa-CE e/ou Asa-AL).


REGIÕES              Part. % PIB   Clubes na “B”(*)   Part. % na “B”(*)
----------------------------------------------------------------------------------------
SUL SUDESTE           73%                  11                             55%
NORDESTE                 13%                   6                             21%
CENTRO OESTE          9%                   3                             11%
NORTE                          5%                   0                               0%
----------------------------------------------------------------------------------------
(*) – Posição atual
Fontes: Wikipédia e www.bolanaarea.com


Finalmente, o que poderemos concluir com tudo isso? Ora, se os executivos do nosso futebol planejassem, teriam trabalhado mais aprofundadamente os dados existentes no nosso futebol, montando um planejamento adequado. Sem isso eles ficam navegando às cegas e vão dando passos maiores que as pernas, na ilusão das suas próprias ilusões egoístas, contratando jogadores com salários incompatíveis com suas realidades, trazendo, cedo ou tarde, a completa desestruturação econômica e financeira dos clubes que representam.


Se nos prendermos no futebol do Nordeste, veremos dirigentes com enormes dificuldades para fechar seus caixas, gerando dívida sobre dívida, em razão de continuarem assumindo compromissos acima da capacidade de seus clubes gerarem retorno, muitas vezes para alimentar suas próprias vaidades e sem nenhum critério empresarial. Ainda tem aqueles que ficam exigindo a participação de patrocinadores, como se patrocinar fosse uma obrigação e não um negócio.


Minha avó, no alto da sua doce sabedoria diria: “meu filho, baixe a bola” ou “devagar com o andor, que o santo é de barro”. Tenho dito. Aliás, quem disse foi vovó.




HERIBERTO GADÊ DE VASCONCELOS
Natal (RN), 17.08.2009