sábado, 17 de outubro de 2009

UM DIA DE CAIXA

São 09h55min Estou me preparando para o início do espetáculo. Ali, junto com outros 6 colegas, fazemos parte do grande show diário no atendimento aos clientes da Caixa Econômica Federal, na agência Alecrim, em Natal (RN).

Digo espetáculo, pois me sinto como uma componente de uma grande companhia que todos os dias precisa ofertar seu sorriso, conhecimento, apoio e, principalmente, paciência no atendimento dos clientes da CEF, no seu segmento mais humilde. É show em razão de estarmos convivendo com uma parcela significativa do nosso povo. Um povo simples, mas honesto e orgulhoso da sua condição de brasileiro. É a essência do exercício da cidadania.

Pontualmente, às 10h00min, abrem-se as portas da agência e as pessoas, quase aos borbotões, começam a ocupar todos os espaços do saguão da agência. Agitadamente, como se aquele fosse o último minuto das suas vidas, retiram as suas senhas, que servirão para dar a ordem de chamada para o atendimento. Estou pronta e a postos, juntamente com toda a equipe. Esperamos... esperamos...

Finalmente, quando todos estão sentados, faço meu primeiro chamado no painel luminoso. Senha nº 01 e ouve-se o toque eletrônico característico. Vem ao encontro da minha mesa uma senhora que já passa facilmente dos 70 anos. É vigorosa e me transmite a sensação de que teve uma vida de muito trabalho e sofrimento. Assim mesmo, caminha em minha direção com um largo sorriso. Senta-se à minha frente e com a mão trêmula entrega-me o papel onde está registrado o nº 01.
          - Olha moça, apressa-se a dizer a adorável senhora, eu sou pessimista e quero saber como é que eu recebo meu dinheiro que aposentaram pra mim.
          - Como é que é? Perguntei de pronto. E a senhora, agora com um semblante preocupado, repetiu com firmeza.
          - Eu sou pessimista, num sabe? A senhora num sabe o que é não? É que meu “veio” já foi desta pra melhor e eu fiquei aqui recebendo como pessimista. Será que já dispusitaram meu dinheiro? Perguntou a senhora e, espichando o olhar pra saber se estava realmente sendo entendida, completou – É muita dificulidade!

Eu pensei, É hoje! E disse: - Ah bom! A senhora é pensionista do INSS e quer saber se já depositaram o seu dinheiro, não é? A senhora assentiu, mas eu achei que ela estava desconfiada com a minha dificuldade em entendê-la. Mesmo assim verifiquei a sua situação e localizei seu pagamento e concluí o atendimento. Ela sorridente, se despediu e agradeceu. Eu suspirei – comecei bem!

* * *

Volto a acionar o controle e outra vez se houve o som eletrônico chamando nova senha. Aproxima-se um homem franzino de aparência simples.
          - Bom dia. Antes que eu respondesse ao cumprimento ele completa – Tô querendo fazer um impresti mas me disseram que eu não tinha mágica e além disso o meu cartão tá bronqueado. O que eu faço?

E eu haveria de saber? Pensei surpresa. Ajeitei-me na cadeira e, com muita paciência fui verificando cada problema por ele reclamado até que pudesse viabilizar o impresti ou o empréstimo, como queiram. Feito isso, passei a colher os dados para a elaboração do contrato, verificando a margem consignável e desbloqueando seu cartão.

Quando terminei, impresso o contrato, apresentei-lhe e indiquei o local onde deveria ser aposta a assinatura. O senhor olhou para mim, ergueu levemente a mão, e colocando o polegar na posição conhecida de “positivo” me disse confiante:
          - Eu faço é no polegal. E assim ficou por uns parcos segundos com um sorriso maroto nos lábios, enquanto eu me refazia da surpresa e processava a nova informação que queria ser dita.
          - Ahhh bom! Então o senhor não sabe ler nem escrever. Ponderei a exigência legal da assinatura a rogo e... lá se foi uma boa carimbada de dedo e outro cliente satisfeito. Tudo feito e resolvido passei para o próximo.

* * *

O outro cliente não estava só. Acompanhava-o a sua namorada. Tudo levava a crer que ali pulsava uma linda história de amor. O casalzinho não parava de trocar olhares e sorrisos, numa abestalhação que só os enamorados conseguem expressar. Fiquei ali curtindo a alegria e o amor que fluía daqueles dois jovens. Pelo jeito, já tinha data de noivado e casamento marcados. A vida em comum já começara.
          - A senhora é a aberturadeira? Perguntou o rapaz, tão logo sentou à mesa.
          - Se o senhor está querendo abrir uma conta, eu sou a pessoa certa, se não, acho bom procurar uma maternidade, respondi brincando. Sem procurar entender o que eu dizia ele retrucou.
          - É isso mermo. Nós queremos o abrimento de uma conta conjugal.
          - O senhor não acha que está no lugar errado? O Cartório fica no outro quarteirão, brinquei mais uma vez.
          - A senhora é difícil de entender as coisas, replicou o jovem noivo, começando a ficar irritado.
          - Tá bom, já entendi. O senhor quer abrir uma conta-corrente conjunta.
          - É isso mesmo. É tão fácil. Como vocês complicam as coisas simples, completou o rapaz de forma altiva.
          - Me dê seus documentos pessoais e os comprovantes de renda e de residência, disse-lhes eu, já começando a acessar o sistema para atender aos jovens nubentes.

Eles olharam para mim e espantados disseram:
          - Já entregamos toda a papelâmica lá no guincha.

Aturdida me perguntei o que diabo seria aquilo que meus pretensos clientes queriam dizer? Deixa pra lá. Nestes casos o melhor é usar de estratégia para descobrir. Foi o que fiz.
          - Por gentileza, o senhor poderia ir buscar isso aí que o senhor disse e trazer para mim?

Visivelmente chateado com a incompreensão o rapaz levantou-se, foi até o guichê do caixa e pegou uma pasta com documentos e, ao me entregar resmugou:
          - É muita democracia pra resolver as coisas aqui.

Pensei: ahh! então isso é que é a papelâmica. Peguei a documentação e processei a abertura da conta-corrente solicitada, para evitar maiores reclamações sobre a tal burocracia.

* * *

Já no final da tarde, perto do fechamento do expediente externo, certa de que não teria mais surpresas naquele dia, aciono o painel para atendimento de mais um cliente. Era outra senhora que chegava apressada e nervosa.
          - Eu acho um absurdo o que fazem com o povo nessa Caixa, resmunga. Eu queria receber meu piso e ninguém conseguiu descobrir onde ele estava. Se não fosse uma pensão alimentíssima que minha enteada recebe, nós tava passando por necessidade lá em casa. Ainda bem que sou a procuradeira dela e recebi o dinheiro hoje, senão...

Mais uma vez fui verificar e, infelizmente, a cliente não fazia jus ao abono do PIS, como queria. Pelo menos a pensão alimentícia ia segurar a barra até o próximo mês. Informei sobre tudo e, quando já ia saindo, a cliente, que trazia uma criança no colo, pediu.
          - A senhora pode ver o número da minha conta? O número completo, com o disco e tudo. Habituada ao vocabulário, forneci o número e dígito da conta à nervosa cliente.

* * *

Pronto, só falta um cliente. Chamei no painel. Este se apresenta de maneira estranhamente agitada. Quer ser logo atendido e me estende a mão com um papel bem dobrado e um pouco amarrotado, como se tivesse sido guardado com muita força para não ser extraviado. Para ele, era uma verdadeira preciosidade.
          - Tá aqui dona. Foi o homem do INSS que mandou e disse que era pra me atender urgente. Disse isso e ficou de pé na minha frente, a exigir que o atendimento se desse imediatamente. A forma autoritária era hilária. Abri com cuidado o bilhete e ali estava escrito: “o portador desta é doido”. Quase sem conseguir sustentar o riso, dobrei o bilhete cuidadosamente e o devolvi e dizendo.
          - Pode procurar o rapaz do INSS e dizer-lhe que já resolvi seu problema aqui na Caixa. Agora o negócio é lá no INSS. E lá se foi o senhor todo feliz em busca da solução de um problema que talvez nem exista.

Assim é o dia-a-dia de cada um dos que trabalham no atendimento de pessoas simples como os que são clientes da Caixa Econômica Federal. Nós que os atendemos e eles que desempenham suas funções na vida do nosso Brasil, estamos, cada um com sua história, construindo um País que, se ainda não é o que queremos, certamente é o melhor que conhecemos.

DEISE CÂMARA P. DE VASCONCELOS

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